Introdução
Nos Evangelhos, Nosso Senhor Jesus Cristo atacou com extrema energia os escribas, os doutores da Lei e os fariseus, lançando contra eles oito maldições solenes, que se opõem às oito bem-aventuranças. Normalmente ouvem-se a respeito apenas surrados chavões que reafirmam terem sido os fariseus hipócritas, acrescentando-se poucas informações.
Ora, a luta acirrada entre Cristo Redentor e os fariseus é um dos pontos centrais da narrativa histórica dos Evangelhos, luta que veio a culminar com o deicídio, no Calvário. Importa pois sobremaneira compreender o que foram e o que pensaram esses escribas, doutores da Lei e fariseus. Qual era a sua origem? Qual a sua doutrina ? Por que Cristo se lhes opôs com tanta força ? Por que recusaram eles o Messias ? Como se tornaram "cegos ao meio dia" (Is. LIX,10) ? Por que não aceitaram a Sabedoria, e por que fecharam seus olhos e ouvidos a Cristo, apesar de reconhecerem os seus milagres ( "Que havemos de fazer ? Este homem faz muitos milagres" (Jo.XI,41)). Por que não O viram, quando "lançaram o olhar para aquele a quem transfixaram" (Jo. XIX,37) ?
O crime do deicídio foi o resultado final de uma longa decadência e corrupção. Na própria Sagrada Escritura encontramos a prova de que o mal vinha de longe. Foram os grandes pecados do povo eleito que provocaram a ira de Deus e fizeram vir pesados sofrimentos sobre Israel e Judá. Por esses pecados, os principais responsáveis foram os sacerdotes e os soberanos. E, em conseqüência, Deus fez Jerusalém ser conquistada, o Templo ser destruído e o povo ser levado em cativeiro, servindo os pagãos.
Em 598 A.C., Nabucodonosor, rei dos caldeus, invadiu pela primeira vez a Palestina, a pretexto de que o rei de Judá, Joaquim, recusara pagar-lhe tributos. Jerusalém foi cercada e o rei Joaquim acabou por ser deposto, sendo colocado em seu lugar seu tio Sedecias. Tragédia maior, Nabucodonosor saqueou o Templo de Deus e levou o rei, seus familiares e muitas famílias nobres para o exílio, em Babilônia.
Anos depois, recusando os conselhos do profeta Jeremias e seguindo a falsa sabedoria de maus conselheiros, o rei Sedecias aliou-se aos egípcios do faraó Hofra, esperando da força humana a vitória sobre Nabucodonosor e a libertação dos exilados na Caldéia.
A rebelião de Sedecias causou uma segunda invasão caldaica. Nabucodonosor venceu os egípcios e cercou Jerusalém pela segunda vez. Após dezoito meses de luta, a cidade de Deus foi conquistada (junho de 587 A.C.). Desta vez, tudo foi destruído. Nem o Templo de Salomão foi poupado pelo incêndio. A população de Jerusalém foi levada para o cativeiro de Babilônia. Muitos outros judeus, que se haviam comprometido com a aliança egípcia, fugiram para as terras do faraó. Poucos puderam ficar na Palestina, mas, devido a novas intrigas políticas, os caldeus, pela terceira vez, tomaram o país, executando uma terceira deportação.
Qual foi a causa maior de tamanhas desgraças políticas e religiosas ? No livro do profeta Ezequiel se encontra a resposta a essa questão. Lá se lê que o próprio Deus mostrou ao profeta Ezequiel a razão da destruição de Jerusalém e do Templo de Deus: a idolatria a que secretamente entregaram os sacerdotes de Deus. Enquanto no Templo e publicamente eles diziam adorar o Criador do céu e da terra, nas trevas, secretamente, eles adoravam os ídolos do Egito. No capítulo VIII do livro de Ezequiel há uma descrição muito viva e curiosíssima desse culto secreto: Deus ordena ao profeta que raspe uma parede, e, quando ele o faz, aparece uma porta oculta. Deus e o profeta entram por ela e chegam a um local escondido, onde os sacerdotes do Altíssimo e os Anciãos da casa de Israel estavam adorando os ídolos (cfr. Ez. VIII,7-13).
Havia, pois, desde o século VI A.C., um culto secreto aos ídolos nos porões do Templo. Tal foi a causa da destruição do Templo e do reino de Judá. Essa idolatria secreta praticada pelos sacerdotes de Deus e pelos Anciãos do povo tinha que ser sustentada por uma doutrina religiosa que os sacerdotes e Anciãos não revelavam ao povo simples. Essa doutrina, muito provavelmente, era gnóstica.
Tendo perdido a pátria e o Templo, não tendo mais nem rei nem Estado nacional, deportados para Babilônia, exilados no Egito, dispersos entre os estrangeiros, estrangeiros em sua antiga terra, os judeus, agora, só tinham a religião como traço de união.
Os caldeus permitiram aos deportados uma certa liberdade, deixando-os ser dirigidos por seus próprios líderes e por seus profetas. Para manter o povo unido, o profeta Ezequiel e seus sucessores organizaram casas de oração - as sinagogas - e já que não era mais possível sacrificar no Templo (pois fora destruído), a sinagoga se tornou, desde então, o centro da vida religiosa judaica. Nelas se rezava, liam-se e comentavam-se as Escrituras. Junto a elas, logo se desenvolveram escolas para estudar a Lei e os Profetas. Segundo consta, o próprio profeta Ezequiel teria organizado também um órgão dirigente dos expatriados, constituído de setenta elementos, do qual se originará o Sinédrio.
O exílio de Babilônia durou de 587 A.C. até o edito de Ciro, rei dos persas, que, tendo vencido os caldeus, deu permissão a que uma primeira leva de judeus retornasse à sua pátria, em 538 A.C, organizando uma satrapia persa na Palestina. Já essa primeira leva teve licença para reconstruir o altar de Deus em Jerusalém. Em 520 A.C., Dario I permitiu a saída de um segundo grupo de judeus, sob a direção de Zorobabel, concedendo-lhes ainda o rei persa que reconstruíssem o Templo de Jerusalém. Este segundo Templo foi concluído em 515 A.C.
Em 458 A.C., Esdras trouxe o resto do povo para Jerusalém e fez uma solene promulgação da Lei de Moisés, renovando o pacto do povo judeu com Deus. Os judeus acreditam que, o que eles chamam de A Grande Sinagoga, foi constituída no tempo de Esdras, porém esta tradição é carente de fundamento histórico (cfr. A.Merk S.J. Introductionis in S. Scripturae Libros, Lethielleux, Paris, 1940, Vol. I , p.95).
Os setenta anos de exílio em Babilônia não corrigiram totalmente o povo. Até pelo contrário, ao que parece, alguns judeus trouxeram de Babilônia muitas idéias religiosas pagãs, que iriam provocar a formação de uma gnose judaica.
Além disso, o fato de terem ficado tantos anos sem pátria, sem Estado e sem Templo, fez com que os judeus passassem a centrar sua religião na pura prática escrupulosa da Lei e em seu estudo. Disto nasceu um desvio que supervalorizou a letra da Lei em detrimento de seu espírito.
Até o cativeiro de Babilônia, os próprios sacerdotes eram os guardiães da Torah (a Lei de Moisés, isto é, o Pentatêuco). Depois do exílio, começaram a ganhar cada vez mais autoridade e importância como mestres explicadores e guardiães da Lei os chamados sábios ou escribas , os Soferim .
Em conseqüência da centralização da religião na Lei, formaram-se, pouco a pouco, especialistas na interpretação da Lei e em sua aplicação judicial: eram os mestres ou doutores da Lei. A aplicação casuística da Lei, a jurisprudência legalista, a adaptação dos princípios aos casos concretos foram paulatinamente dando supremacia à letra sobre o espírito. Foi a esta deturpação da religião que São Paulo fez referência, quando escreveu: "A letra mata, é o espírito que vivifica" ( II Cor. III.6)
Em breve, uma jurisprudência foi se formando segundo as chamadas "tradições dos Antigos" ou "tradições dos anciãos". Essas tradições e costumes formaram a Lei Oral - a Torah Oral - que, aos poucos, ganhou tal força que suplantou em valor e respeito a própria Torah de Moisés, da qual ela tinha se originado. É a essa "tradição humana" que farão referência condenatória Cristo e o Apóstolo São Paulo: "E assim, vós, por causa de vossa tradição, mudastes o mandamento de Deus" (Mt. XV, 6). E ainda: "É em vão que me honram, ensinando doutrinas e mandamentos dos homens." (Mt.XV,9). São Paulo escreveu aos Colossenses: "Vede que ninguém vos engane por meio da filosofia inútil e enganadora, segundo a tradição dos homens" (Col., II,8).
Que a chamada Torah Oral superou em respeito e valor a própria Torah mosaica é confirmado por todos os testemunhos históricos e pelos estudiosos da questão . Na Mishnah se lê :
"Maior obrigação se aplica à (observância) das palavras dos escribas do que às palavras da Lei (escrita)" (Mishnah, Sanhedrim, XI, 3).
"Se um homem disser: "Não há obrigação de usar filactérias", ele transgride as palavras da Lei, e ele não é culpado; mas, se ele disser: "Deve haver nelas [nas filactérias] cinco repartições", então ele acrescenta algo às palavras dos escribas, e é culpado" (Mishnah, Sanhedrim, XI,3).
A respeito da Torah Escrita e da Torah Oral diz G.G. Scholem: "De acordo com o uso comum nas fontes talmúdicas, a "Torá escrita" é o texto do Pentatêuco. A Torá Oral é a soma total de tudo o que foi dito por eruditos ou sábios a título de explicação deste corpus escrito, pelos comentadores talmúdicos da Lei e por todos os demais que interpretaram o texto. A Torá oral é a tradição da Congregação de Israel, ela desempenha o papel necessário de completar a Torá escrita e torná-la mais concreta. De acordo com a tradição rabínica, Moisés recebeu, ao mesmo tempo, ambas as Torás, no monte Sinai, e tudo quanto um erudito subsequente encontra na Torá ou legitimamente dela deduz, já estava incluído nesta tradição oral fornecida a Moisés. Assim, no judaísmo rabínico, as duas Torás são uma só. A tradição oral e a palavra escrita completam-se mutuamente, uma não é possível sem a outra" (G.G. Scholem, A cabala e seu simbolismo, Perspectiva, São Paulo, 1978, p.61).
A autoridade extraordinária alcançada pelos escribas e doutores da Lei diante do povo ganhou-lhes um título de respeito. A forma costumeira com que o povo começou a chamá-los foi a de "meu senhor", isto é, Rab, que em grego se disse Rabbi. Com o tempo, esse termo passou a ser um verdadeiro título, como se verifica nos textos evangélicos. Porém, antes dos tempos evangélicos, não se tinha estabelecido ainda o costume de chamar os grandes mestres de Rabi. Assim, por exemplo, jamais se usou chamar chefes de escola, tais como Hilel ou Shammai, de Rabi (cfr.Emil Schürer, The History of the Jewish people in the age of Jesus Christ (175B.C.-135A.D.), T.&T. Clark, Edinburgh, 1979, vol. II, 325-326-327).
A tradição hebraica costuma enumerar os grandes mestres, chefes de escola, aos pares, sendo um de uma tendência mais rigorista, e o outro, de uma corrente menos exigente. Entre Esdras e Cristo, essa tradição cita apenas dez mestres, que teriam sido: Yosef ben Ioezer e Yosef ben Iochanan ; Yoshua ben Parachiah e Mattai de Arbela; Iehuda ben Tabai e Simeon ben Satach; Shammai e Hilel. A estes mestres não era ainda costume atribuir o título de Rabbi.
Os estudiosos da Lei - os escribas e doutores da Lei - atribuíam-se uma tríplice missão :
1a. - Definir e aperfeiçoar os princípios legais decorrentes da Torah, a Lei Escrita.
A lei mosaica, como toda lei escrita, requeria, em muitos casos, uma interpretação, para ser aplicada com mais justiça. Os escribas e doutores da Lei examinavam os casos concretos e aplicavam as determinações da Torah procurando harmonizá-las aos costumes, à realidade concreta de cada caso, e à jurisprudência que, aos poucos, se formou. Disto tudo nasceu um intrincado sistema legal casuístico, que, a princípio, foi transmitido apenas oralmente, e que, por seu crescimento cada vez maior, exigiu, afinal, ser redigido.
2a. – A segunda missão que os escribas se arrogavam era a de ensinar não apenas a Lei escrita, mas também, e principalmente a jurisprudência casuística que eles haviam elaborado e que tomou o nome de Torah Oral ou "Tradição dos Antigos", ou dos "Sábios".
Enquanto a Lei Oral não foi codificada e redigida, o método utilizado pelos escribas para transmiti-la foi a memorização e a repetição. Repetir e ensinar são palavras equivalentes na linguagem rabínica. Os discípulos dos mestres (Rabis) tinham a obrigação de decorar a Torah Oral, assim como as soluções legais adotadas pelos Antigos, sem nada alterar do que fora recebido. O discípulo, por isso, era obrigado a expressar-se usando sempre as mesmas palavras de seu mestre. Desse ensino mnemônico e repetitivo é que proveio a palavra Mishnah, que significa repetição. Os mandamentos dessa Tradição Oral dos antigos eram chamados os Mishnaioth.
3a. - A terceira missão que os escribas e doutores da Lei se impuseram e assumiram foi a administração da justiça pela aplicação escrupulosíssima dos Mishnaioth.
Cada mestre dava uma interpretação da Lei. As várias interpretações eram cotejadas, preponderando a interpretação da maioria ou a dos mestres de maior autoridade. O esforço mnemônico foi se tornando imenso e, por fim, impraticável. Cada mestre ou doutor começou a fazer anotações que, afinal, tiveram que ser codificadas. Foi a codificação da tradição legalista dos vários escribas, doutores da Lei, isto é, dos grandes Rabinos que se chamou de Mishnah. O sentido literal da palavra Mishnah é doutrina ou tradição, segundo explica A. Merk S.J. (Cfr, A. Merk, op. cit. vol I , p.89).
Escribas, Doutores da Lei e Fariseus – Saduceus e Fariseus
A invasão grega, no século IV A.C., trouxe novas complicações ao processo religioso que os judeus atravessavam. A dominação grega, graças à força e ao prestígio de sua cultura e de sua filosofia, pouco a pouco, influenciou largas e importantes camadas do povo judeu. Os vencidos tendem, apesar do ódio, a admirar os vencedores. Entre os judeus começou-se a adotar a língua, os modos de ser e os costumes dos gregos, mesmo quando alguns desses costumes eram contrários à Lei Mosaica. Diante do invasor cheio de prestígio, os judeus se dividiram. Formaram-se partidos. O partido dos saduceus mostrou-se aberto às influências estrangeiras, procurando conciliar judaísmo e helenismo, teologia hebraica e filosofia grega. Este partido teve forte penetração entre os sacerdotes. O partido fariseu, pelo contrário, opôs tenaz resistência aos costumes e ao pensamento grego, entrincheirando-se na observância zelosa e rigorista da letra da Lei escrita e oral. A grande maioria dos escribas e doutores da Lei aderiu ao farisaismo e obteve o apoio quase total do povo judeu, graças ao prestígio moral e religioso que alcançaram.
As principais diferenças doutrinárias entre saduceus e fariseus foram:
1ª. A questão da Ressurreição :
Os fariseus admitiam a imortalidade da alma, a existência de uma recompensa e de um castigo após a morte, assim como a ressureição dos corpos, depois de um juízo universal.
Os saduceus, pelo contrário, negavam a ressureição e a existência de uma vida eterna após a morte, afirmando que a alma perecia junto com o corpo. Nos Atos dos Apóstolos (XXIII,6) se lê que São Paulo se aproveitou dessa divergência entre saduceus e fariseus para dividir o Sinédrio que ia julgá-lo.
2ª. Os anjos:
Enquanto os fariseus acreditavam na existência dos anjos, os saduceus a negavam.
3ª. A questão do destino, (predestinação e livre- arbítrio).
Os saduceus tendiam a dar mais importância ao livre-arbítrio do que à ação de Deus, através da graça, nas ações humanas. Os fariseus, em contraposição, davam tal importância à ação da providência divina, na decisão dos atos humanos, que alguns autores os acusam de defender a idéia do destino, isto é, que as ações humanas não são livres, dependendo unicamente do querer de Deus, sem cooperação do livre-arbítrio humano.
4ª. A "Tradição dos Antigos"
Os fariseus se distanciavam dos saduceus também na valorização da chamada "Tradição dos Antigos". Eles faziam a Lei Oral suplantar em valor e respeito até a própria Lei de Deus, codificada por Moisés. Diziam eles que a Torah Oral era o mais correto e perfeito desenvolvimento e expressão da Torah escrita. Os saduceus, de seu lado, não aceitavam as tradições farisaicas que não tivessem claro e certo apoio no texto da Escritura. Como testemunha Flávio Josefo, "os fariseus impuseram ao povo muitas leis provenientes da tradição dos Antigos, que não estavam escritas na Lei de Moisés" (Flávio Josefo,Antiguidades judaicas, XIII, 10, 6 ).
5ª. Posicionamento político
O partido saduceu era principalmente sacerdotal e aristocrático, enquanto os fariseus recrutavam seus membros nas classes populares. Os saduceus sempre mantiveram um posicionamento político-religioso, enquanto os fariseus sempre foram muito mais religiosos do que políticos. É absolutamente certo que os fariseus dominaram doutrinariamente as escolas rabínicas e eram eles que determinaram as principais opções religiosas do povo judeu.
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A redação da Mishnah foi realizada pelos mestres chamados Tannim ou Tanaítas, termo que deriva da palavra hebraica que significa ensinar ou transmitir (uma tradição). Os Tanaitas viveram entre o século I e o III depois de Cristo. A primeira tentativa de codificação da casuística rabínica é atribuída a Rabi Akiva (50-130), e uma segunda, a Rabi Meir (entre 130 a 160 D.C.).
A compilação definitiva da Mishnah se deve ao famoso Rabi Yehudah Ha-Kadosh (o santo), intitulado também de Yehudah, o Príncipe, ou o Patriarca, no século II D.C., já que esse rabino viveu entre 135 a 220 D.C. Ele foi sucessor de Gamaliel II, na liderança de uma das escolas rabínicas. Evidentemente, a Mishnah de Rabi Yehudah reflete sua doutrina. Diz-se que ele tendia mais para o racionalismo do que para o misticismo. Daí ter ele eliminado da sua codificação as interpretações místicas da Lei que, vieram a formar a Baraita (material externo ou excluído) e a Tossefta (suplemento ou adição). Atribui-se a Tossefta a Hiia bar Abba, amigo e discípulo de Rabi Yehudah. Deve-se distinguir a Tossefta dos Tosaphot, explicações acrescentadas ao Talmud de Babilônia pelos doutores judeus dos séculos XII e XIII de nossa era.
A Mishnah apresenta a substância da Torah Oral e se divide em seis partes, os Sedarim, as quais, por sua vez dividem-se em tratados.
As seis partes da Mishnah são:
A - Zeraim (Sementes): versa sobre questões agrícolas, colheitas, partes atribuídas aos sacerdotes, etc.
B - Moed ( Festas).
C - Nashim (Mulheres).
D - Nezikim (Prejuízos,danos): trata do direito de propriedade, indenizações, processos legais para reparações.
E - Kodashim ( Ofertas de sacrifícios).
F - Tohoroth (purificações): versa sobre as complicadas leis de purificação.
B - Moed ( Festas).
C - Nashim (Mulheres).
D - Nezikim (Prejuízos,danos): trata do direito de propriedade, indenizações, processos legais para reparações.
E - Kodashim ( Ofertas de sacrifícios).
F - Tohoroth (purificações): versa sobre as complicadas leis de purificação.
A Mishnah pretendia ter a mesma fundamentação que a Torah de Moisés e, como já mencionamos, uma força para obrigar ainda maior do que a da Lei revelada. Não se admitia que pudesse haver contradição entre a Torah e a Mishnah, embora esta última não precisasse ter apoio em um texto determinado da Escritura.
As leis da Tradição dos Antigos contidas na Mishnah são chamadas de Halakhoth, termo que significa via, caminho, norma que deve ser seguida porque é um costume deduzido da Escritura por um doutor ou pelo consenso dos Doutores ou Antigos Sábios.
Pode-se distinguir :
a) Os Halakhoth atribuídos a Moisés.
b) Os Hallakhoth propriamente ditos, conjunto das lei tradicionais elaboradas pelos escribas e .doutores da Lei.
c) as ordenações dos escribas
Enquanto os Halakhoth visam expor ou definir uma lei tradicional, a chamada Haggadah, termo que significa narração, é constituída por comentários expondo e intrepretando a Escritura, tendo em vista a edificação da alma do judeu. Tais comentários não são muito encontrados na Mishnah, aparecendo em geral no final de alguns tratados. A Haggadah analisa o texto da Escritura, fazendo relações com outros passos, interpretando-os de modo alegórico, mais do que buscando o sentido literal e primeiro do texto.
Sendo a Hallakhah uma codificação da lei costumeira e da jurisprudência rabínica, dado também seu caráter tradicional, consideravam os fariseus que ela jamais poderia ser definitivamente concluída, pois sempre se agregariam novas regras. Por outro lado, eles afirmavam ainda que a Hallakhah era imutável, daí sua preocupação em guardá-la, primeiro de memória, e depois codificá-la. É evidente que a codificação feita pelos Rabinos se fundamentava numa doutrina que só pode ter sido a dos fariseus.
Ora, é certo que, quando a Toral Oral começou a se formar nas sinagogas, em tempos anteriores ao nascimento de Cristo, já existia entre os escribas (Sofer) e os doutores da Lei uma doutrina secreta . Prova disto é que na Mishnah se lê :
"Os graus proibidos [Cfr Lev. XVIII, 6-18; graus de parentesco que eram impedimentos para o casamento, e que tornavam a relação sexual incestuosa] não podem ser expostos diante de três pessoas, nem a história da criação diante de duas pessoas, nem a Merkabah [visão do carro de Deus em Ez, I,4] diante de uma só pessoa, a não ser que ela seja um Sábio que compreende com seu próprio entendimento" ( Mishnah , Hagigah, II, 1).
Gershom Scholem, o grande especialista na Kabbalah afirma:
"Sabemos que já no período do segundo Templo, uma doutrina esotérica era ensinada em círculos farisaicos. O primeiro capítulo do Gênesis, a história da Criação (Maassei Bereshit) e o primeiro capítulo de Ezequiel, a visão do trono-carruagem de Deus (Maassei Merkabah)- eram os temas favoritos de uma discussão e intrepretação que aparentemente não convinha tornar pública" (G.G. Scholem, A mística judaica, Perspectiva, São Paulo, 1972, pp. 41-42).
E esse mesmo autor, de autoridade indiscutida, considera que a mística da Merkabah - que vai ser uma das raízes da Kabbalah medieval - já tinha nascido nos tempos de Rabi Akiva (Séc. I e II D.C.) e que essa mística era , sem dúvida gnóstica.
"The logical conclusion seems to be, given the historical circumstances, that, initially, Jewish esoteric tradition absorbed Hellenistic elements similar to those we actually find in Hermetic writings. Such elements entered Jewish tradition before Christianity developped, or at any rate before Christian Gnosticism as a distinctive force came into being. Later, when Judaism and Christianity finally parted ways, these elements, whose development, once borrowed, had been within and in the manner of a distinctly Jewish esoterism, were taken over into Christianity and into early Gnostic circles, rather than the reverse" (G.Scholem, Jewish Gnosticism, Merkabah Mysticism and Talmudic Tradition, The Jewish Theological Seminary of America, New York, 5725-1965, p. 34).
Foram exatamente as doutrinas sobre o Bereschit e sobre a Merkabah que deram origem às teses gnósticas fundamentais da Kabbalah medieval. É claro que, nos tempos rabínicos, essas doutrinas ainda não tinham adquirido o desenvolvimento que depois apresentaram. Porém, desde a sua introdução nas escolas da velha Sinagoga, elas continham já, certamente, os princípios fundamentais que desabrochariam posteriormente, provavelmente já nos tempos de Cristo, em gnose elaborada. É o que conclui também A. E. Waite ao escrever: "O ponto de partida (para a formação da Kabbalah) tem sido colocado por um criticismo moderado, antes do nascimento de Cristo" ( A. E. Waite, The Holy Kabbalah , University Books, Secaucus, New Jersey, 1975, p. 26).
Por tudo isso, fica bem claro o porquê o profeta Jeremias asseverou contra os escribas:
"Como dizeis : ‘Somos sábios e a Lei do Senhor está conosco’? Verdadeiramente, o ponteiro mentiroso dos escribas gravou a mentira" (Jer. VIII,8).
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