Patricia Aguilar (centro) no dia de seu resgate em uma selva peruana, no dia 5 de julho.
Especialistas negam que as vítimas desses grupos sejam pessoas frágeis, psicopatas ou conflituosas Fala da seita que a atraiu e confunde as palavras. É como se não pudesse ou não quisesse falar do assunto. “São sequelas. Doutrinaram-me para que jamais contasse o que se passava lá dentro”, conta Alicia Rodríguez, que prefere não dizer seu verdadeiro nome. E observa que as pessoas podem passar anos em um desses grupos sem saber disso: “As seitas não põem um cartaz na porta”. “Entrar é fácil”, afirma. “Difícil é sair.” Os especialistas concordam que qualquer pessoa é passível de ser pega".
“Quem diz que nunca vai cair é o primeiro”, alerta Rodríguez em um bar de Madri. Ela, que passou mais de cinco anos em um desses grupos sem estar consciente disso, garante: “Acreditava que estava ajudando a mim mesma e aos outros, que iria ajudar uma ONG, como Patricia [Aguilar],” Ela se refere à espanhola de 19 anos resgatada no Peru no dia 6 de julho. A jovem de Elche (Alicante), que voltou no fim de semana para a casa da família, estava sob a suposta influência de Félix Steven Manrique, que se diz chamar Príncipe Gurdjieff e permanecerá nove meses em prisão preventiva.
Seitas buscam pessoas jovens, idealistas e inconformadas O líder da seita de autoajuda que marcava “escravas sexuais” como gado“As seitas escondem-se por trás de um discurso socialmente aceito”, afirma Miguel Perlado, coordenador do grupo de trabalho sobre desvio sectário da Ordem Oficial de Psicologia da Catalunha. O psicólogo explica que esses grupos conseguem adaptar-se a cada época: “Agora não falam de óvnis, como nos anos 80, mas podem disfarçar-se por trás de grupos de yoga ou meditação”. Perlado especifica, com base em diferentes estudos, que 0,9% da população espanhola é atraída por esses grupos, um porcentual similar ao de outros países europeus.
Os líderes e membros de seitas buscam, sobretudo, pessoas jovens, idealistas, inconformadas, inquietas, com estudos universitários e tendência a serem meticulosas, diz Pelado. “Não se interessam por pessoas psicopatas, frágeis e conflituosas”, afirma. “São pessoas normais, mas sugestionáveis”, explica Myrna García, presidenta da Rede de Apoio às Vítimas de Seitas. Diz que sua organização ajudou advogados, psicólogos e cientistas capturados por esses grupos.
A psicóloga Margarita Barranco, especialista em manipulação psicológica, acrescenta que as vítimas costumam estar passando por crises pessoais, familiares ou no trabalho e, por isso, são especialmente vulneráveis. “É aí que eles se aproximam. Fazem você se sentir protegido e abaixam as suas defesas”, explica. Rodríguez se irrita ao recordar: “Há um líder supercarismático, aparentemente maravilhoso, que consegue que pouco a pouco você confie nele como confia na sua mãe. Então você está perdido.”
Joan Pérez também foi vítima de uma seita e prefere não revelar sua identidade. Garante que, por meio de técnicas de manipulação, os líderes de seitas conseguem que a personalidade do indivíduo se reduza até desaparecer. Desse modo, obtêm deles o que necessitam: dinheiro, sexo e poder. “Fiz coisas que não teria feito jamais”, enfatiza. Conta que tinha uma boa situação econômica (trabalho, casa, carro) e agora está desempregado e vive de empréstimos.
Técnicas de atração são variadas
“A Internet é um dos principais meios de captação”, afirma a psicóloga Barranco, que esclarece que as técnicas são muito diversas. Alguns grupos param as pessoas na rua e outros pregam cartazes ou oferecem cursos, às vezes são amigos ou conhecidos que introduzem as pessoas a esses grupos. “Vivemos momentos em que estamos muito necessitados de ajuda e esses grupos oferecem soluções mágicas”, afirma.
Os experts concordam que quando as vítimas são atraídas mudam sua forma de falar, se expressam como outra pessoa e repetem frases feitas, se distanciam das pessoas mais próximas delas, tornam-se monotemáticas e se interessam por bibliografia e autores que até então não haviam lido. São mais esquivas, falam pouco e se irritam facilmente, mudam o modo de se vestir e as atividades cotidianas, e ficam mais frias ao expressar sentimentos. Joan Pérez, olha no celular uma foto da época em que pertencia a uma seita e aponta para seus olhos, entreabertos e apagados: “Estava ausente, não estava ali.”
“Destroçam a sua vida”, resume. Mas afirma que é possível sair. “[As vítimas] não querem denunciar nem falar do assunto porque têm medo do líder e sofreram tanto que não querem saber de mais nada”, comenta. Ele destaca, porém, a importância de recorrer a um psicólogo especialista no assunto.
Tanto Pérez como Rodríguez trabalharam para recuperar suas vidas e têm estudado o comportamento dos líderes e grupos sectários para identificá-los. Incentivam os outros a se informarem e contam suas experiências para que sirvam a outras pessoas. Rodríguez está segura: “No final, pelo menos o sofrimento tem de servir para algo útil. Era o que eu queria fazer desde o princípio: ajudar as pessoas.”
Fonte: EL PAÍS Brasil
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