A medida aumentou a tensão no país e intensificou as manifestações em favor da saída do presidente Maduro do poder
A oposição venezuelana e uma ONG coordenaram nesta terça-feira (9) o julgamento de dezenas de civis e tribunais militares, que denunciam como uma manobra do presidente Nicolás Maduro para desanimar os protestos contra ele, que já deixam 36 mortos em 40 dias.
A medida agrava um momento de alta tensão pela convocatória do mandatário a uma Assembleia Constituinte, que intensificou as manifestações com as quais a oposição exige sua saída do poder.
Maduro, que ainda não se pronunciou sobre os tribunais militares, irá liderar nesta tarde um ato diante de milhares de apoiadores que se concentram nos arredores do palácio presidencial de Miraflores, no centro de Caracas, em apoio à Constituinte.
Ao mesmo tempo, o Parlamento, único poder controlado pela oposição, aprovará um acordo que condena esses julgamentos contra detidos pelo Plano Zamora, uma operação de segurança impulsionada por Maduro quando as manifestações começaram.
“A Constituição é clara, a jurisdição militar não é para civis. Levar manifestantes para lá é violar os direitos humanos”, disse o chefe do legislativo, Julio Borges, ao dirigir uma mensagem ao ministro da Defesa, o general Vladimir Padrino López.
O chefe da Região Estratégica de Defesa Integral (Redi, centro), o major-general Jesús Suárez, afirmou que de 780 detidos, 251 foram levados aos tribunais militares acusados de “ataque aos guardas e associação para rebelião”.
Cerca de 70 indivíduos foram presos por ordem destes tribunais instalados no estado de Carabobo, afirmou o advogado Tony Marval, enquanto a ONG de direitos humanos Foro Penal registrava outros 11 presos em Caracas e no estado de Lara.
O constitucionalista José Vicente Haro assegurou que a medida viola o artigo 261 da Constituição, segundo o qual a competência destes tribunais “se limita a crimes de natureza militar”.
Quebra do Estado de direito
As audiências começaram na última sexta-feira em um destacamento de Valencia – capital de Carabobo -, mas logo foram transferidas para um bairro desta cidade, onde ocorreram protestos contra Maduro e roubos a mais de 100 estabelecimentos comerciais entre os dias 2 e 4 de maio.
“Estão violando o direito dos cidadãos de serem julgados por seus pares, de natureza civil, e com o devido processo. É uma forma de perseguir a dissidência e paralisar os protestos”, declarou à AFP por telefone Malvar, após sair de uma audiência.
Os julgados enfrentam acusações de instigação à rebelião e vilipêndio, enquanto muitos são detidos por roubo, denunciou o advogado Alfredo Romero, diretor do Foro Penal, que assessora os detidos.
Marval afirmou que os presos estão sendo levados à prisão de Guárico, a 110 km de Valencia, e acrescentou que outros 11 civis comparecerão durante a tarde.
Segundo grupos de direitos humanos, o governo está aplicando essa medida porque a procuradora-geral Luisa Ortega, próxima ao chavismo, denunciou prisões arbitrárias durante as manifestações opositoras e se negou a indiciar essas pessoas.
“Significa uma quebra do Estado de direito na Venezuela”, disse a diretora da ONG Controle Cidadão e especialista em temas de Defesa, Rocío San Miguel.
A medida foi duramente criticada na segunda-feira pelo secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, que afirmou que isso “vulnerabiliza os princípios básicos da democracia e os Direitos Humanos”.
Uma Constituinte militar
Maduro, que antes mesmo da severa crise econômica do país já tinha sua gestão rechaçada por sete em cada dez venezuelanos, segundo as pesquisas, assegura que as manifestações opositoras culminaram em “atos terroristas” e de “insurgência armada” que buscam derrubá-lo.
O vice-presidente Tarek El Aissami anunciou nesta terça-feira que a Operação Zamora desarticulou “células de insurgência armada” que vinculou à oposição e, particularmente, a Borges.
Maduro, que tem na Força Armada um aliado-chave e para qual deu grande poder econômico e político, assegura que a Constituinte “popular” é o único caminho para a paz do país.
“Teremos [também] uma Constituinte militar para aprofundar a revolução bolivariana dentro do coração da Força Armada”, disse o presidente na segunda-feira.
Para a oposição, Maduro quer fazer uma Constituição “sob medida” com uma Assembleia Constituinte cuja escolha irá controlar, a fim de se esquivar das eleições e de se agarrar ao poder.
Os opositores sustentam que a Constituinte continua “o golpe de Estado” que, asseguram, começou quando o máximo tribunal de justiça assumiu temporariamente as funções do Parlamento, o que foi denunciado pela procuradora como uma ruptura da ordem constitucional.
Fonte: AFP
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