Macron já é o presidente mais jovem da França
Em abril de 2016, Emmanuel Macron era praticamente desconhecido do público francês ao lançar um novo movimento político, o En Marche! (Em Marcha), dizendo que não era um grupo de esquerda nem de direita. Quatro meses depois, renunciou ao cargo de ministro da Economia e anunciou que concorreria à Presidência da França.
Macron agora é, aos 39 anos, o mais jovem presidente eleito da França, e o primeiro a ser eleito desde 1958, data da fundação da República moderna francesa, fora dos dois partidos principais, o Socialista e o Republicanos.
Projeções apontavam que Macron derrotou a candidata de extrema direita Marine Le Pen no segundo turno por cerca de 65% dos votos, contra 35% da rival, que já reconheceu a derrota. No primeiro turno, ele vencera com 24% dos votos, contra 21% de Le Pen.
Em pronunciamento após a confirmação do resultado, Macron disse que a França está virando uma nova página em sua história.
“Quero ser uma página de esperança e de confiança renovada”, afirmou.
Disputando sua primeira eleição, o centrista uniu autoconfiança, energia e conexões para erguer um movimento que passou por cima de todas as siglas tradicionais do país.
O presidente eleito é um centrista liberal, pró-mercado e forte defensor da União Europeia. Ele deixou o governo do presidente François Hollande, do Partido Socialista, em agosto do ano passado.
Mas o que levou Macron a liderar a terceira economia da Europa?
Ambição
Numa noite fria de abril de 2016, centenas de pessoas se reuniram em uma cidade pequena ao norte de Paris.
Os convidados eram, principalmente, parentes e amigos do palestrante, o ministro da Economia da França, Emmanuel Macron. Era um evento simples – uma sala pequena sem decoração, a mulher do ministro tomando notas na primeira fileira.
Após falar por quase uma hora sobre o futuro da indústria e do emprego na França, Macron finalmente transmitiu a mensagem que tinha ido levar – o lançamento de um novo movimento político, o En Marche!.
Foi um gesto corajoso para um homem trabalhando no centro do governo do Partido Socialista. Levado à política pelas mãos do presidente François Hollande, Macron era visto como protegido do mandatário, e talvez destinado a um papel maior apenas no futuro. Poucos imaginavam que ele iria tentar tão cedo.
Então, naquela noite na cidade de Amiens, não havia bandeiras para saudar o novo movimento, câmeras de TV nem panfletos políticos.
Apesar disso, em menos de um ano, o jovem líder do movimento venceu a eleição presidencial – e protagonizou a ascensão mais rápida de um político na história moderna da França.
“Em questão de meses, ele foi de criança a adolescente, e de adolescente a adulto”, afirma Alain Minc, mentor e aliado que vem aconselhando Macron sobre sua carreira política ao longo dos anos.
“Eu o conheço intimamente há 15 anos, e sempre me surpreendo com a rapidez com que ele aprende politica”, afirma Minc. “Ele é um gato – você pode jogá-lo pela janela e ele dará um jeito de cair de pé.”
Mas nem sempre a política foi a ambição de Emmanuel Macron. Na escola em Amiens, ele sonhava em ser escritor.
Macron tinha reputação de jovem brilhante e precoce, lembra Antoine Marguet, seu colega na escola privada jesuíta La Providence. Macron lia clássicos da literatura francesa, segundo o colega, escrevia poemas e até um romance sobre conquistadores espanhois.
“Emmanuel Macron sempre foi diferente”, lembra Marguet. “Numa idade em que a maioria apenas vê TV, ele apenas lia. Ele se comparava aos professores em algumas coisas. (E tinha) uma inteligência olimpica – cada vez mais alta, rápida, abrangente.”
Alguém que certamente o via desta maneira era Brigitte Trogneux, sua professora de teatro. “Ele não era como os outros”, afirmou ela a um documentário francês em 2016. “Ele não era um adolescente. Tinha uma relação de igual para igual com outros adultos.”
Um dia, lembra Trogneux, ele chegou com planos de escreverem juntos uma peça para o último ano de aulas de teatro. “Não imaginei que a ideia iria longe”, ela conta.
“Pensei que ele logo ficaria entediado. Nós escrevemos a peça, e pouco a pouco fui arrebatada pela inteligência daquele menino.”
Aos 16 anos, Macron deixou Amiens para terminar os estudos em Paris, com a ideia de um dia se casar com sua antiga professora. “Falávamos ao telefone toda momento, por horas”, recorda ela. “Aos poucos ele superou toda minha resistência, e de uma maneira incrível, com paciência.”
Brigitte Trogneux era 24 anos mais velha do que Macron, casada e com três filhos. Mas deixou o marido e começou uma relação com o ex-aluno. Ambos se casaram em 2007.
É uma história incomum de amor que revela bastante sobre a determinação e a autoconfiança de Macron, afirma a jornalista Anne Fulda, autora de um novo livro sobre a trajetória do presidente eleito.
O casal fugiu da exposição pública por anos, afirma Fulda, mas houve uma mudança sutil após Macron lançar sua candidatura.
“Ele busca passar a ideia de que se conseguiu seduzir uma mulher 24 anos mais velha e mãe de três filhos, numa cidade do interior… sem ofensa ou gozação, ele pode conquistar a França do mesmo jeito”, afirma a jornalista.
Corrida presidencial
Quando o En Marche foi lançado em abril de 2016, muitos fizeram pouco caso, classificando a empreitada como ingênua e fadada ao fracasso.
Um colega de governo de Macron chegou a publicar, no dia do lançamento do movimento, um link para uma música chamda I Walk Alone (eu ando sozinho).
Macron não ficaria sozinho por muito tempo. Hoje o En Marche possui mais de 200 mil inscritos, embora a filiação não tenha custos e não demande a saída de outros partidos políticos.
E à medida que o movimento crescia, aumentavam as especulações sobre uma possível postulação à Presidência.
As raízes da decisão de concorrer remetem a décadas atrás, mas estão cobertas por uma grossa camada de histórias, imagens e mitos construídos. Mas o mentor Alain Minc diz não ter dúvidas de que seu aliado “sempre” se viu no páreo.
“Fiz o melhor que pude para convencê-lo a concorrer em 2022″, afira Minc, e ele me disse: “Você está errado, há uma oportunidade (agora)”.
De fato, “tudo estava pronto para decolar desde o outono de 2015 (no hemisfério norte)”, diz o jornalista político Marc Endeweld, autor do livro L’ambigu Monsieur Macron: Enquête sur un ministre qui dérange (O ambicioso sr. Macron: investigação sobre um ministro que incomoda, em tradução livre).
Macron esperou para lançar sua candidatura apenas em razão dos ataques de novembro de 2015 em Paris e de março de 2016 em Bruxelas, afirma Endeweld.
Mathieu Laine integrava um pequeno grupo de pessoas próximas a Macron que o incentivavam a concorrer.
Ele afirma que o timing da candidatura teve muita influência da experiência de Macron no governo de François Hollande.
Como ministro da Economia, Macron se envolveu numa disputa para aprovar uma série de reformas econômicas de caráter liberal, apelidadas de Loi Macron (lei Macron). Mas divisões dentro do Partido Socialista e resistências no Parlamento o deixaram desiludido.
“Suas pernas estavam sendo quebradas pelo sistema”, diz Laine.
Movimento político
Macron sempre disse que visa criar um novo tipo de política. E sem uma estrutura partidária à disposição, ele depende como nunca da lealdade de apoiadores. “Esse movimento é o que fazemos dele”, diz o slogan do En Marche.
Um forte apelo pessoal também é útil quando se tenta superar divisões ideológicas profundas, como aquela entre os partidos de esquerda e de direita na França. Mas todos os movimentos políticos precisam de ideias para promover união.
O carisma de Macron pode ter ajudado no lançamento de seu movimento, mas o desafio era apresentar um programa político que tivesse apelo a centristas de esquerda e de direita.
Antes de definir qualquer política – ou mesmo princípios de atuação – a campanha de Macron conduziu uma pesquisa domiciliar nacional, com entrevistas individuais com eleitores sobre suas atitudes e reclamações.
“Em geral, quando você quer escrever um programa (político), você convoca especialistas”, explica Guillaume Liegey, fundador de uma consultoria eleitoral que trabalha com o En Marche. “Especialistas são muito inteligentes, mas é bom ter informações sobre as pessoas, e foi isso que o En Marche providenciou”, disse.
A chamada “grande marcha” resultou em 25 mil entrevistas detalhadas com eleitores, diz Liegey.
A origem da ideia foi “com certeza a campanha de Barack Obama” de 2008, diz o consultor, que trabalhou nos EUA naquela ocasião.
Os voluntários do movimento fizeram duas perguntas principais aos eleitores: o que funciona e o quer não funciona na França?
E contradições interessantes apareceram. “Muitas pessoas disseram que as escolas funcionavam”, afirma Liegey. “Mas apontavam, na pergunta sobre o que não funcionava, o sistema nacional de educação. Então também não há uma solução simples.”
Vácuo político
Desde o discurso em que anunciou a intenção de concorrer, Macron destacou seu desgosto com o sistema político, enquanto se apresentava como “positivo” sobre a França.
“Eu vi de dentro do vácuo do nosso sistema político, que descarta a maioria das ideias porque podem ameaçar a máquina, partidos tradicionais, interesses velados… Nosso sistema político está travado.”
Quando ele finalmente divulgou seu programa político, muitos o criticaram por ser muito vago ou genérico – uma acusação que seguiu até o final da campanha. Macron, afirmam seus críticos, é a favor e contra tudo.
Em um debate na campanha, a rival Marine Le Pen balançou a cabeça e riu após uma intervenção do adversário, dizendo: “Sabe, sr. Macron, você é incrivelmente talentoso – conseguiu falar por sete minutos e não consigo resumir o que você pensa. Você não disse nada. É um vazio completo.”
Mas o consultor Liegey diz que Macron é pragmático. “Não acho que a França precise de mais ideias”, afirma ele. “Acho que é uma questão de métodos. Se você quer mudar o país tem que ser metódico, não pode apenas dizer ‘eu vou fazer’. Você precisa de um plano.”
E também de um tanto de sorte, o que Macron teve de diversas maneiras.
Ascensão
Boa parte da ascensão de Macron está associada às disputas entre os dois principais partidos da França – o Partido Socialista, no poder, e a sigla de centro-direita Republicanos. Ambos lutam contra a perda de apoio entre um eleitorado cansado da velha retórica política, vista por muitos como inócua.
Divisão e letargia marcaram os socialistas por muito tempo, enquanto a melancolia pairou sobre os republicanos desde o envolvimento de seu candidato, Francois Fillon, em um escândalo de nepotismo.
A desilusão com os partidos tradicionais é algo que Macron – e sua rival de centro-direita Le Pen – exploraram bastante. E funcionou.
Macron canibalizou o apoio do Partido Socialista, e conseguiu suporte de figuras importantes da sigla, como o ex-primeiro-ministro Manuel Valls, visto no passado como inimigo.
Mas o presidente eleito também teve sorte, ele mesmo diz, diante da derrota nas disputas internas dos partidos de nomes mais centristas, como o republicano Alain Juppé e o socialista Valls, que perderam as primárias para adversários mais linha dura, deixando um amplo espaço no centro da política francesa.
Propostas
Entre as propostas de Macron está um plano de 50 bilhões de euros para treinamento profissional, incentivo a energias renováveis, infraestrutura e modernização. Promete reduzir o desemprego dos atuais 9,7% para 7%, proibir o uso de ceulares na escola por menores de 15 anos e dar um vale-cultura de 500 euros para jovens de 18 anos.
Já as reformas econômicas de cunho liberal, do tipo defendido pelo presidente eleito, compõem um tema que divide opiniões na França.
Representantes da esquerda, como a maioria dos sindicatos, se opõem fortemente à flexibilização do mercado de trabalho e à ampliação da carga horária dos trabalhadores.
Macron não teve boa performance entre operários e trabalhadores de baixa renda, enquanto Le Pen teve boa votação entre esse setor do eleitorado.
Um ex-colega de Partido Socialista, o veterano Martine Aubry, diz que o programa econômico de Macron se inspira “na agenda liberal inglesa e americana dos anos 1980″. “É sobre reduzir serviços públicos, cortar déficits e fazer os trabalhadores ganharem menos e trabalharem mais.”
Há, contudo, muitos socialistas de centro-esquerda que concordam com a necessidade de reformas, e o próprio Macron já se descreveu como “homem de esquerda”. Seu mentor Alain Minc diz, porém, que há algo diferente do que o presidente eleito propõe.
“Ele é um liberal de esquerda, e isso é novo na política francesa”, afirma. “Houve um braço social-democrata no Partido Socialista, mas ele acredita muito mais nas forças do mercado.”
Para Macron, a política francesa não é mais uma batalha entre ideologias de direita ou esquerda, mas entre protecionismo e globalização. E nesse sentido seu rival mais duro não foi o antigo partido nem os republicanos, mas as propostas antiimigração de Le Pen.
Macron marcou a campanha por uma forte defesa da União Europeia e suas instituições.
“Ele é europeu como sua geração é”, diz Minc. Questões sobre imigração, cultura e identidade nacional estiveram no centro da campanha.
Em seu “contrato com a nação”, manifesto de campanha, Macron citou a educação como principal prioridade – “a fonte de nossa coesão nacional”, definiu.
Imagem e realidade
A imagem política de Macron gira em torno da ideia de que ele é um “outsider”, alheio à classe tradicional política. Suas raízes interioranas e bisavó analfabeta são apresentadas em contraste a uma elite parisiense privilegiada.
Mas os pais de Macron eram médicos, sua escola em Amiens era particular, e aos 16 anos ele se mudou para Paris para cursar um dos colégios secundários mais famosos, o liceu Henri IV, antes de se formar em uma universidade por onde passaram muitos líderes, a Escola Nacional de Administração.
Após a universidade, ele conviveu de perto com membros da elite política e econômica, e enriqueceu trabalhando em um banco de investimentos. Então ele pode mesmo ser descrito como o candidato antissistema?
“Seria um pouco ultrajante dizer isso”, reconhece o mentor Alain Minc. “Ele é antissistema político, mas é o melhor produto do sistema francês. O sistema dá chance a novatos – como Georges Pompidou, Raymond Barre, Robert Badinter – mas ele a aproveitou de forma mais rápida e com um senso de oportunidade que os outros não tiveram.”
Quais serão as dificuldades imediatas?
Recém-fundado, o movimento de Macron não possui cadeiras no Parlamento.
As eleições legislativas serão no próximo mês, e o En Marche disputará o pleito como partido, mas Macron pode se deparar com a necessidade de formar uma coalizão para governar de maneira efetiva.
Embora sua candidatura tenha atraído outras siglas, boa parte desse apoio veio da necessidade de derrotar Le Pen.
Ele precisará conquistar a confiança de quem se absteve na votação e daqueles que são céticos sobre sua visão política. Eleitores de esquerda, sobretudo, em geral se sentiram pouco representados pelos candidatos do segundo turno.
Macron também precisará lidar com as consequências de um ataque de hackers no último dia de campanha, quando um grande volume de documentos de sua campanha, que incluiriam materiais falsos e autênticos, foi divulgado na internet.
Fonte: BBC Brasil
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