Criminalistas e procuradores avaliaram que não há garantia de que os termos tratados com procurador-geral da República sejam mantidos por Raquel Dodge
Na última semana, dois advogados contratados pelo ex-ministro Antonio Palocci para negociar delação premiada com a Operação Lava-Jato se reuniram com procuradores da República, no QG da força-tarefa, em Curitiba. Há poucos quilômetros dali, na sede da Polícia Federal, um delegado ouviu, mais uma vez, depoimento do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Também candidato a delator, o ex-deputado promete revelar fatos comprometedores contra o presidente da República, Michel Temer.
Peças importantes para a Lava-Jato nas apurações de envolvimento em crimes de corrupção de lideranças do PT e do PMDB com foro privilegiado, os dois candidatos a delatores correm contra o relógio para fechar acordo com o Ministério Público Federal (MPF), antes da troca de comando na Procuradoria-Geral da República (PGR), que acontece em setembro.
Criminalistas e procuradores ouvidos pela reportagem avaliaram que não há garantia, para as negociações em andamento, de que os termos tratados com a equipe de Rodrigo Janot sejam mantidos com a posse da nova procuradora-geral, Raquel Dodge. Ela foi nomeada ao cargo por Temer.
Além de políticos — núcleo que tem menor percentual de colaboradores, entre os 158 —, estão na fila de candidatos a delatores operadores de propinas, como Adir Assad, agentes públicos, como o ex-diretor da Petrobrás Renato Duque, e executivos de empreiteiras como a OAS, Engevix, Queiroz Galvão, Mendes Júnior e EIT. Há, ainda, as que estão em processo de recall de acordos já homologados, como a Andrade Gutierrez. Para eles, é incerto o rumo das negociações, depois de setembro.
“Temos uma corrida contra o relógio porque ele só fica até o dia 17 de setembro”, disse o criminalista Marcelo Leonardo, que representa a Mendes Júnior.
“É natural que os candidatos à colaboração tenham alguma incerteza e ansiedade em relação ao futuro e busquem garantir a realização dos acordos logo”, afirmou o procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.
Palocci contratou, há dois meses, os criminalistas Adriano Bretas e Tracy Reinaldet para negociar delação. As tratativas estão em fase prévia, que antecede o início oficial de negociações, e até aqui o conteúdo oferecido é considerado fraco. Cunha contratou o advogado Délio Lins e Silva e aposta suas fichas em um acordo com a PGR.
Advogado de pelo menos dez delatores da Lava-Jato, o criminalista Antonio Figueiredo Basto, defensor de Duque, também enxerga um cenário incerto.
“Existe um risco de descontinuidade, em razão de serem pessoas diferentes, que têm uma percepção diferente do trabalho que foi realizado até hoje”, disse o advogado.
“Agora, existe uma questão importante que é a segurança jurídica. Não pode haver mudanças, porque ninguém pode ficar à mercê da boa ou má vontade do Ministério Público em fazer ou não um acordo”, completou Figueiredo Basto.
Dallagnol não comenta negociações (a cláusula primordial das delações é o sigilo), mas lembrou que Raquel Dodge “assegurou o apoio à LavaJato”.
“Como as colaborações são o motor da operação, acredito que ela valorizará o emprego desse instrumento e garantirá um ambiente de segurança essencial ao instituto”, disse Dallagnol.
“Limite da lei”
Na sabatina no Senado, ao ser questionada sobre a imunidade concedida pelo Ministério Público a delatores, em uma referência ao acordo firmado por Joesley Batista — do Grupo J&F, dono da JBS —, Raquel defendeu a delação premiada “sempre no limite da lei”.
“(A vantagem) deve estar em proporção com a colaboração. Aquele que colabora mais, ganha uma vantagem maior. Mas sempre no limite da lei’, disse ela, lembrando ainda que a delação premiada não é uma invenção recente da legislação e que chegou a utilizar o instrumento em investigações na década de 1990.
A novidade, segundo ela, é a sua regulamentação. Principal pilar que sustentou a expansão das investigações da Lava-Jato nos quase três anos e meio de apurações, o instituto da delação vive seu momento de maior contestação em razão do acordo firmado com os delatores da J&F.
Decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF), que confirmou a validade do acordo e a competência do relator do caso, ministro Edson Fachin, foi considerada uma vitória pelos representantes do MPF. Para procuradores, a garantia de que os termos contratados entre o colaborador e o MPF devem ser mantidos deu segurança jurídica para os delatores e suas defesas.
Fonte: Zero Hora
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