13 de julho de 2017

Noticia: Os primeiros protestantes brasileiros

Em trabalho inédito, historiadora revela que a primeira igreja evangélica do Brasil foi criada por índios da tribo potiguara convertidos por holandeses em Pernambuco. Perseguidos pelos portugueses, eles se refugiaram no Ceará.
Muito se fala do legado das invasões holandesas no Brasil, que duraram quase três décadas durante o século XVII. A cidade do Recife, por exemplo, quartel-general dos invasores em Pernambuco, guarda até hoje as marcas do urbanismo batavo, com ruas e avenidas de traçado reto e pouco usual para a época. Em museus do Brasil e do mundo, sobrevive a arte de gênios holandeses da pintura e da botânica como Albert Eckhout e Frans Post, que documentaram o Brasil com cores e formas incomuns em outros registros. A partir de agora, um lado mais obscuro, mas não menos importante, da herança holandesa deve ganhar renovada atenção: o religioso. No livro “A Primeira Igreja Protestante do Brasil” (Ed. Mackenzie, 2013), lançado na semana passada, a historiadora e professora cearense Jaquelini de Souza conta a história da “Igreja Reformada Potiguara”, criada por índios com apoio holandês e mantida em funcionamento pelos nativos mesmo depois da expulsão desses colonizadores pelos portugueses.


Como a história de qualquer igreja em seus primórdios, a da Igreja Potiguara começa confusa, com a ida para a Holanda, em 1625, daqueles que viriam a ser duas de suas maiores lideranças indígenas. Pedro Poty e Antônio Paraupaba, índios potiguaras, embarcaram para os Países Baixos em junho daquele ano sem saber bem o que fariam por lá. Ao aportar, foram apresentados ao que o país tinha de melhor, receberam educação formal e religiosa de ponta e logo se converteram ao protestantismo. Mas, diferentemente do que costumava acontecer com índios que iam à Europa com os ingleses e os franceses, cinco anos depois Paraupaba e Poty voltaram ao Brasil, em data que coincide com o início da segunda invasão holandesa (leia quadro) no País. Por aqui, assumiram funções administrativas, militares e espirituais. Aos poucos, deram corpo, com outros índios igualmente educados na fé, a um programa intenso de catequese e de formação de professores reformados indígenas. Incipiente, a igreja em formação se reunia nas aldeias e fazia batismos, casamentos, profissões de fé e ceias do senhor. “Já era a Igreja Potiguara porque, teologicamente, havendo dois ou três reunidos em nome de Deus, independentemente do lugar, está ali uma igreja”, diz Jaquelini.

Pouco na nascente igreja a fazia diferir de outras experiências religiosas europeias nas Américas. Havia o componente protestante, que aproximava o índio do colonizador de forma inédita por colocar a educação do nativo como pré-requisito para sua conversão, algo que os católicos pouco faziam. Mas, ainda assim, tratava-se de uma experiência religiosa mediada por uma força impossível de ignorar: a de colonizador sobre colonizado. “Por isso, argumento que foi só depois da expulsão dos holandeses que vimos aflorar a verdadeira Igreja Potiguara”, diz Jaquelini. Expulsos do Brasil em 1654, os batavos abandonaram os potiguaras convertidos e outros nativos, aliados políticos e militares contra os portugueses, à própria sorte. Mesmo assim, a maioria dos protestantes manteve sua fé. Refugiados dos portugueses na Serra da Ibiapaba, no Ceará, onde chegaram depois de caminhar 750 quilômetros do litoral pernambucano ao sertão, eles continuaram praticando a fé protestante e chegaram a converter índios tabajaras, que também estavam no refúgio. Enquanto isso, Paraupaba, já tido como um brilhante historiador e profundo conhecedor da “Bíblia”, tentava, na Holanda, apoio para os refugiados – um esforço que não rendeu frutos imediatos.

Nada, porém, tirou o peso da experiência protestante na Ibiapaba. Um relato do famoso padre Antônio Vieira, jesuíta português incumbido de relatar à Companhia de Jesus o que acontecia na região, dá o tom ao batizar o lugar de “Genebra de todos os sertões”. A cidade de Genebra está para os protestantes como o Vaticano está para os católicos. Em outro trecho, Vieira diz que os índios “estão muitos deles tão calvinistas e luteranos como se nasceram em Inglaterra ou Alemanha”. Não se sabe ao certo o que restou dos índios da Igreja Potiguara depois que o grupo se desfez, ao que tudo indica, passados seis anos de vida em comunidade na Ibiapaba. Especula-se que alguns se juntaram aos opositores dos portugueses durante as Guerras dos Bárbaros a partir de 1688. Outros teriam voltado ao catolicismo ou às religiões nativas. O que fica para história é que esses índios foram os primeiros brasileiros protestantes. E que a Igreja Reformada Potiguara foi a primeira igreja evangélica do Brasil.
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