“Há, pois, toda a probabilidade de que, nos dois exemplos acima citados [o filho da viúva de Naim e a filha de Jairo] apenas houve síncope e letargia… Dado o poder fluídico que possuía Jesus, nada há de espantoso que o fluído vivificante, dirigido por uma forte vontade, haja reanimado os sentidos entorpecidos; e mesmo que ele tenha podido voltar ao corpo o Espírito prestes a deixá-lo, enquanto o liame perispiritual não estivesse definitivamente rompido. Para os homens daquele tempo, que julgavam estar o indivíduo morto, desde que não respirasse mais, houve ressurreição… porém, houve na realidade cura, e não ressurreição, na acepção da palavra. A ressurreição de Lázaro, digam o que disserem, não invalida de modo nenhum esse princípio. Diz-se que ele já estava há quatro dias no sepulcro; mas sabe-se que há letargias que duram oito dias, e mesmo mais. Acrescenta-se que ele cheirava mal o que é um sinal de decomposição. Essa alegação não prova nada, visto que em certos indivíduos há decomposição parcial do corpo, mesmo antes da morte, e exalam odor de apodrecimento. A morte não chega senão quando os órgãos essenciais à vida são atacados. E quem podia saber se ele cheirava mal? É sua irmã Marta que o diz; mas como sabia? Lázaro se achava enterrado há quatro dias, ela supunha isso, mas não podia ter certeza” (A Gênese, Allan Kardec, Cap XV, n. 39 e 40).
Allan Kardec trabalhou em cima de probabilidades ao afirmar que Lázaro fora enterrado vivo. Aliás, foi inadequado o uso do termo “enterrado”, que significa sob a terra. Pela descrição bíblica, o corpo foi colocado numa abertura na rocha (Jo 11.38), a exemplo do sepultamento de Jesus.
Os homens daquela época até poderiam se enganar, mas Jesus tinha certeza de que Lázaro estava morto. O relato bíblico contraria as conclusões de Allan Kardec. Vejam:
(1) “Então disse Jesus claramente: Lázaro está morto” (Jo 11.14).
Perdão pela redundância, mas se Jesus disse que Lázaro estava morto é porque Lázaro estava de fato morto. Quem além de Jesus poderia dar um diagnóstico preciso? Seria o caso de quase dois mil anos depois o Espiritismo apresentar versão diferente?
(2) Jesus disse a Marta: “Teu irmão há de ressuscitar” (v.23).
Ressuscitar significa voltar a viver. Kardec sabia disso ao dizer, como acima, “porém, houve na realidade cura, e não ressurreição, na acepção da palavra”. Jesus estava falando exatamente de ressurreição.
(3) Disse Jesus: “Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá” (v.25).
Se fosse apenas uma letargia, por que Jesus enfatizou que a irmã de Lázaro “veria a glória de Deus”? (v.40). Para curar um homem de letargia precisaria invocar a glória de Deus? Essa declaração, todavia, indicava que Marta estava prestes a presenciar um grande milagre. Além disso, a Bíblia registra que “o defunto saiu” do sepulcro (v. 44). Segundo o Dicionário Aurélio, defunto quer dizer “pessoa que morreu; morto”.
Agora ouçam o seguinte. Para o kardecismo, Jesus foi:
(a) Um espírito muitíssimo evoluído que atingiu o mais elevado grau de perfeição.
(b) “Um iniciador da mais pura, da mais sublime moral evangélico-cristã, que há de renovar o mundo, aproximar os homens e torná-los irmãos…”.
(c) Um homem que veio ensinar a JUSTIÇA de Deus;
(d) Um homem que veio ensinar TODAS AS VERDADES, porque “no Cristianismo se encontram todas as verdades”.
(e) Jesus foi “A Segunda Revelação de Deus”; a Primeira, Moisés; a Terceira e última, o Espiritismo (O Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec, Introdução e cap.I).
Diante de tantas qualidades morais e espirituais atribuídas pelo Espiritismo a Jesus, não há como admitir que Ele tenha proferido alguma palavra mentirosa. Se mentiu em alguma coisa; se não levou a sério o Seu ensino; se ensinou alguma coisa errada, então nunca foi um “Bom Espírito”, um Espírito puro. Se não confiarmos na “Segunda Revelação de Deus”, como confiaríamos na “Terceira Revelação”, o Espiritismo?
Daí porque o Espiritismo deveria observar com muito cuidado as palavras de Jesus, tudo o que Ele disse, todas as verdades contidas no Seu Evangelho. Daí porque devemos também, nós evangélicos, em nossa conversa com os espíritas, fazê-los lembrar dessas premissas, do entusiasmo com que Kardec falou de Jesus e da imperiosa necessidade de levar em consideração tudo o que Ele falou.
Lázaro está morto
Feitas essas considerações, passemos ao caso de Lázaro. Vejamos o relato bíblico, segundo João 11.1-44.
“Então Jesus disse claramente: Lázaro está morto… “Quando Jesus chegou, já fazia quatro dias que Lázaro havia sido enterrado”… Disse Marta a Jesus: Senhor, se tu estivesses aqui, meu irmão não teria morrido. Mas ainda agora sei que tudo o que pedires a Deus, ele te concederá. Disse Jesus: Teu irmão ressurgirá. Respondeu Maria; Eu sei que ressurgirá na ressurreição, no último dia. Disse Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida: Quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá. Disse ela: Sim, Senhor, creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo”.
Perguntou Jesus [referindo-se ao cadáver de Lázaro]: “Onde o puseste? Tirai a pedra”. Disse Marta, irmão do morto: Senhor, já cheira mal, pois é o quarto dia. Então Jesus lhe disse: Não te disse que se creres verás a glória de Deus?”Após uma breve oração, Jesus clamou em alta voz: “Lázaro, vem para fora. O morto saiu, tendo as mãos e os pés enfaixados, e o rosto envolto num lenço…”.
Jesus soube primeiramente que Lázaro estava enfermo (Jo 11.3), mas passados alguns dias Jesus revelou aos discípulos que ele havia morrido. Jesus foi o primeiro a saber da morte de Lázaro, confirmada depois por Marta, Maria, e pelos judeus ali presentes (Jo 11. 21, 32, 37).
Ora, quando o Espiritismo afirma que Lázaro não morreu, mas que sofrera uma síncope, e, por ignorância da época, fora enfaixado e colocado vivo no sepulcro, faz uma afirmação inconseqüente.
Vejam mais o que escreveu o codificador da doutrina espírita sobre o assunto:
“A reencarnação fazia parte dos dogmas dos judeus, sob o nome ressurreição… Criam eles que um homem que vivera podia reviver, sem saberem precisamente de que maneira o fato poderia dar-se. Designavam pelo termo ressurreição o que o Espiritismo, mais judiciosamente, chama de reencarnação. Com efeito, a ressurreição dá idéia de voltar à vida o corpo que já está morto, o que a Ciência demonstra ser materialmente impossível, sobretudo quando os elementos desse corpo já se acham desde muito tempo dispersos e absorvidos. A reencarnação é a volta da alma ou Espírito à vida corpórea, mas em outro corpo especialmente formado para ele e que nada tem de comum com o antigo. A palavra ressurreição podia assim aplicar-se a Lázaro…” (O Evangelho Segundo o Espiritismo, Allan Kardec, cap IV, item 4).
Concordo com Allan Kardec quando diz que a ressurreição dá idéia da recomposição corpo-espírito (“voltar à vida o corpo que está morto”). Concordo também com o que diz sobre reencarnação, segundo o ensino espírita (“volta do Espírito em outro corpo”). Concordo também quando diz que o conceito de ressurreição se aplica a Lázaro. E então? A palavra de Jesus é incontestável. Ele declarou que Lázaro estava morto. Depois, já cheirando mal o cadáver, Ele o fez reviver. Logo, Lázaro ressuscitou. Certo como dois mais dois são quatro. Jesus, o Filho de Deus, passou por cima da Ciência. A mesma coisa aconteceu quando caminhou sobre as águas, transformou água em vinho, multiplicou pães, fez reviver o filho da viúva de Naim e a filha de Jairo, curou paralíticos, cegos, leprosos.
O Espiritismo não pode admitir a ressurreição de Lázaro pelos seguintes motivos: (a) admiti-la implicaria em aceitar também a ressurreição corporal de Jesus, (b) em acatar as demais ressurreições bíblicas, (c) e em admitir a possibilidade de uma ressurreição coletiva na Segunda vinda de Jesus (1 (1 Ts 4.16-17). As evidências dessas ressurreições e a promessa de uma ressurreição coletiva na volta de Jesus colocam em xeque-mate a crença reencarnacionista, coluna vertebral do kardecismo. Na reencarnação o espírito volta em outros corpos; na ressurreição, o espírito retorna ao corpo original.
A ressurreição de Lázaro é o que há de mais claro na Bíblia, e tem uma história: Lázaro ficou enfermo; faleceu; foi colocado no jazigo, onde passou quatro dias; sua irmã Marta disse que o corpo estava em estado de decomposição, pois “já cheirava mal”. Além disso, temos o atestado de óbito do insuspeito Jesus, que declarou com todas as letras: LÁZARO ESTÁ MORTO (Jo 11.14). A Bíblia diz que essa afirmação de Jesus foi de forma clara.
O inconsistente argumento segundo o qual Lázaro sofrera de um ataque epilético não pode prevalecer. Se válido tal raciocínio, deveríamos considerar que os judeus não faziam a menor diferença entre um corpo vivo e um corpo morto. Teríamos de negar as seguintes ressurreições e admitir que essas pessoas estavam vivas, e que, nos casos a seguir, Jesus, Elias, Eliseu, Pedro e Paulo ressuscitaram quem não havia morrido:
O filho da viúva de Serepta, ressuscitado pelo profeta Elias (1 Rs 17.19-22); o filho da sunamita, ressuscitado pelo profeta Eliseu (2 Rs 4.32-35); a filha de Jairo, por Jesus (Mc 5.21-23, 35-41); o filho da viúva de Naim, por Jesus (Lc 7.11-17); a discípula chamada Tabita, por Pedro (At 9.36-43); uma ressurreição coletiva logo após a morte de Jesus (Mt 27.52); a ressurreição do jovem Êutico, pelo apóstolo Paulo (At 20.9).
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