4 de janeiro de 2016

Notícia: Doador de campanha de Temer foi beneficiado por emenda de Cunha

Grupo Libra foi o único beneficiário de brecha incluída na nova Lei dos Portos, que permitiu a empresas em dívida com a União renovar contratos de concessão de terminais portuários. Vice-presidente nega

Graças a uma emenda parlamentar incluída pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), na nova Lei de Portos, um dos principais doadores de campanha do vice-presidente Michel Temer em 2014 obteve uma vantagem inédita para administrar uma área do Porto de Santos, em São Paulo. O Grupo Libra, conglomerado de logística que tem dívida milionária com o governo federal, foi o único beneficiário dessa brecha incluída na nova legislação, que permitiu a empresas em dívida com a União renovarem contratos de concessão de terminais portuários.

Segundo matéria do site de ‘Veja’, a renovação nos novos termos foi garantida por um outro aliado de Temer, o deputado Edinho Araújo (PMDB-SP), em seus últimos dias no comando da Secretaria Especial de Portos (SEP). A retirada do parlamentar do comando da pasta foi um dos motivos de desavença listados por Temer em carta cheia de queixas enviada à presidente Dilma Rousseff em dezembro.

Mesmo sendo candidato a vice, Temer criou em 2014 uma pessoa jurídica para receber doações eleitorais e repassá-las a candidatos a outros cargos públicos, como deputados estaduais e federais. Sua conta recebeu R$ 1 milhão de dois dos sócios do Grupo Libra, arrendatário de uma área de 100 mil m² no Porto de Santos há mais de 20 anos. O valor doado foi dividido igualmente em nome de Ana Carolina Borges Torrealba e Rodrigo Borges Torrealba, ambos herdeiros da companhia. A empresa foi fundada há mais de meio século para investir em navegação, mas, desde os anos 1990, mudou seu foco para a exploração de terminais portuários.

Segundo nota publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, Temer afirma que as doações dos sócios do Grupo Libra foram repassadas a 12 candidatos e a um diretório estadual do PMDB, e que o vice não ficou com qualquer quantia. O texto acrescenta que não há “conexão nos fatos”.

O contrato foi assinado em 1998, quando o grupo ganhou uma concorrência aberta pela empresa federal Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) para operar uma das áreas de mais fácil acesso rodoviário do terminal. A proposta do Libra era irrecusável: ofereceu pagar dez vezes mais pela área do que o aluguel previsto no preço de referência. Por causa do alto valor, a segunda colocada na disputa entrou com recurso para anular a concorrência, afirmando que a proposta da Libra era inexequível, mas a alegação não foi aceita pela Codesp e o contrato foi assinado.

Entretanto, poucos meses depois, a vencedora passou a contestar as faturas de cobrança alegando que recebeu área menor que o prometido, que havia concorrência não prevista e que não haviam sido feitas as obras necessárias para obtenção da produtividade esperada. Começou aí uma longa batalha judicial entre governo e Libra que se arrastou por mais de uma década, e o valor integral previsto na licitação jamais foi pago pelo grupo. A dívida acumulada até 2008, segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários, era de R$ 544 milhões – o que representa quase R$ 850 milhões em valores atuais.

Emenda

A situação só foi mudar quando, em 2013, a gestão Dilma enviou ao Congresso uma medida provisória que previa novas regras para a gestão de portos no país. Uma das principais novidades era a possibilidade de se renovar contratos de concessão de terminais em troca da promessa de novos investimentos.

O texto original da medida provisória, porém, vedava esse benefício a empresas inadimplentes. Mas, durante o processo de aprovação na Câmara, uma emenda apresentada por Cunha – e depois regulamentada pela presidente – permitiu a adesão de devedoras caso elas aceitassem decidir sobre a dívida antiga em um processo de arbitragem, em vez de na Justiça comum.

Com base nessa emenda, a adesão à arbitragem foi publicada no Diário Oficial no dia 3 de setembro. Por meio desse ato, o governo extinguia todas as ações na Justiça contra o Grupo Libra e as duas partes concordaram em aceitar a decisão de um árbitro eleito por acordo comum, que tem prazo de quatro anos para decidir quem deve quanto a quem.

Nesse mesmo dia, foi publicada a renovação do contrato por mais 20 anos em condições excepcionais para o Libra, que teria de pagar um aluguel ainda menor do que o negociado em 1998. Em contrapartida, a empresa se comprometeu a investir R$ 750 milhões. Esse foi o único caso em que a exceção sugerida por Eduardo Cunha foi usada em todas as seis renovações de contrato em terminais portuários feitas após a lei.

Aliados. Nos dois períodos em questão, os responsáveis pelas decisões eram aliados de Temer e ambos foram citados pelo próprio vice-presidente como seus indicados em reclamações na carta recente escrita para Dilma. Em 1998, quando a Codesp era vinculada ao Ministério dos Transportes, o chefe da pasta era o ex-deputado Eliseu Padilha. O ex-ministro do governo Fernando Henrique Cardoso voltou à Esplanada dos Ministérios na gestão Dilma no comando da Aviação Civil, posto do qual se demitiu recentemente por causa de “desfeitas” da presidente, segundo afirmou Temer na carta.

Já a renovação do contrato se deu na gestão de Edinho Araújo na Secretaria de Portos, cujo desligamento do cargo no começo de outubro foi usado por Temer como exemplo da “falta de preocupação” da presidente em “eliminar do governo” um ministro a ele “ligado”.

Temer nega

O vice-presidente da República, Michel Temer, negou neste domingo, 3, por meio de nota, que o Grupo Libra – doador de campanha do vice em 2014 – tenha sido beneficiado pela emenda à Lei dos Portos de autoria do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Segundo a nota enviada por Temer, não houve benefício à empresa – que é arrendatária de uma área de 100 mil m² no Porto de Santos há mais de 20 anos – porque o Grupo Libra só vai conseguir renovar seu contrato se quitar sua dívida. “Não há benefício à empresa, pois esta só conseguirá a renovação contratual se, ao fim de processo de arbitramento, pagar seus débitos junto à Companhia Docas de São Paulo (Codesp)”, afirma o vice em nota. “Não existe dano ao erário. Não há prejuízo ao patrimônio público. Ao contrário, pois serão feitos investimentos de mais de R$ 720 milhões como contrapartida à renovação da concessão, se essa for obtida”, informa o texto. A renovação da concessão já foi publicada no Diário Oficial da União e não há garantia de que, ao fim do processo de arbitragem, a Libra vá pagar seus débitos e fazer os investimentos referidos. O Grupo Libra contesta a dívida com o governo federal e afirma que não está inadimplente com a União.



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Outro ponto contestado pelo vice diz respeito à forma como ele teria recebido as doações eleitorais do Grupo Libra. Temer criou em 2014 uma pessoa jurídica para receber contribuições e repassá-las a candidatos a outros cargos públicos, como deputados estaduais e federais. Essa conta recebeu R$ 1 milhão de dois dos sócios do Libra. Segundo o vice, a conta pela qual ele recebe doações é do PMDB, não dele. “É absolutamente falsa, errônea e equivocada a imputação feita no texto”, diz a nota. “Foi em conta do PMDB para a campanha de 2014 que foram feitas as contribuições, transferidas a doze candidatos ao Legislativo pelo partido e a um diretório estadual do PMDB. Não houve doação a Michel Temer.” No entanto, como está publicado nos registros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), o repasse dos valores para os candidatos a deputado foi feito pela conta de campanha do próprio Michel Temer.
Fonte: Veja

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