Atualmente, há 33 propostas no parlamento sobre o assunto, sendo que outras 14 sugerem pequenas alterações no texto atual; para especialistas, rigor da lei aumentou superlotação das cadeias
Catorze projetos em discussão no Congresso Nacional querem endurecer ainda mais a atual legislação. Levantamento feito pelo ‘G1′ mostra que apenas três das 33 propostas em tramitação no parlamento defendem a flexibilização. Outras 14 não flexibilizam nem endurecem a lei, mas sugerem mudanças. Duas delas endurecem de um lado, mas flexibilizam de outro.
A Lei de Drogas, que passou a valer em 2006, prometia abrandar o tratamento penal dado ao usuário, mas, na prática, acabou ocorrendo o efeito inverso, com muitos deles sendo enquadrados como traficantes, denunciam especialistas.
Pela atual legislação, para definir se o preso é um usuário de drogas ou um traficante, o juiz leva em conta a quantidade apreendida, o local, as condições em que se desenvolveu a ação, as circunstâncias sociais e pessoais, além da existência ou não de antecedentes. Essa mesma interpretação é feita pelo policial, quando prende, e pelo promotor, quando denuncia.
Informações do Ministério da Justiça apontam que, em 2005, antes de a Lei de Drogas entrar em vigor, os presos por tráfico representavam menos de 10% do total da população carcerária do país.
Em 2014, o número de detentos por tráfico de drogas mais que dobrou. À época, quase um terço dos presos – 28% do total – foram condenados ou acusados de crimes ligados ao tráfico. De acordo com pesquisadores, a maior parte desses detentos é formada por jovens que vendem quantidades pequenas de drogas.
No primeiro mês deste ano, a crise no sistema penitenciário se tornou evidente, com rebeliões e massacres que já levaram à morte mais de 100 detentos. Para tentar conter o caos nos presídios, o governo federal anunciou investimentos no setor e autorizou as Forças Armadas a cumprirem operações específicas nas cadeias, desde que haja solicitação dos governos estaduais.
Além disso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu que, após o recesso, os parlamentares dediquem uma semana para votar projetos relacionados à segurança pública.
Dos 33 projetos em discussão no Congresso que visam alterar a Lei de Drogas, 21 estão em tramitação na Câmara. Os outros 12 estão nas mãos dos senadores.
A maior parte das propostas à disposição dos parlamentares, porém, traz um endurecimento de regras, com ampliação de penas e restrição para progressão de regime.
Um dos projetos – em tramitação desde 2009 – pretende levar à prisão os usuários de droga. Pelo texto, quem portar droga para consumo pessoal estará sujeito a uma pena de seis meses a três anos na cadeia, mais multa. Um texto semelhante também tramita no Senado.
Ao longo de quase oito anos de tramitação, o texto da Câmara chegou a ser anexado a outras duas propostas semelhantes, foi arquivado e desarquivado duas vezes. Nunca chegou a ser votado, nem mesmo na Comissão de Segurança Pública da Câmara.
Outra proposta sob análise dos deputados – apresentada no ano passado – estabelece que as penas de condenados por tráfico não poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, mesmo que o preso seja réu primário, tenha bons antecedentes e não integre organização criminosa. A proposta está parada em uma comissão da Casa.
Um texto semelhante tramita no Senado e aguarda análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). No colegiado, já foi apresentado um parecer pela rejeição da matéria.
Já aprovado pela Câmara, um projeto que ainda precisa ser apreciado pelos senadores define que a pena para o crime de tráfico de drogas aumentará de dois terços até o dobro se a substância encontrada for o crack. Um relator para o texto foi designado em setembro no ano passado, mas o parecer ainda não foi apresentado.
O senador Ciro Nogueira (PP-PI) é autor de duas propostas que endurecem a legislação sobre drogas. Para o parlamentar, punições mais firmes para o consumo de entorpecentes podem diminuir o tráfico.
“Não podemos liberalizar uma série de crimes para evitar que as pessoas sejam presas. Nós temos que trabalhar para que essas pessoas não cometam esses crimes. O caminho é punir com penas mais severas”, ponderou Ciro Nogueira.
Para o senador piauiense, o sentimento de impunidade leva as pessoas a consumir drogas. “A pessoa tem que pensar nisso antes de cometer o crime [de consumo]. Não acredito que uma pessoa, sabendo que vai ser presa, vai consumir ou comprar droga”, opinou.
Na avaliação do pesquisador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Bráulio Figueiredo o endurecimento da lei tem apenas um efeito imediato: o aumento da população carcerária.
“Não existe evidência de relação entre o endurecimento da lei e a redução da criminalidade”, enfatizou o especialista.
“Endurecer a lei vai gerar a prisão de mais pessoas. E vai colocar onde? Com a atual legislação, que já é dura, já temos superlotação em todos os presídios”, complementou.
Para o sociólogo, a solução do problema na segurança pública tem que passar por um plano maior, fundamentado em prevenção ao uso de drogas e, sobretudo, uma política pública focada em jovens e adolescentes.
Flexibilização
Apenas três propostas em análise pelos parlamentares promoveriam, de fato, uma flexibilização na lei atual. Uma delas, de autoria do deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), autoriza a produção e o comércio da maconha, incluindo derivados e produtos, em todo o território nacional e estabelece uma padronização da classificação, inspeção e fiscalização da atividade.
Para o parlamentar, legalizar a maconha e acabar com a guerra às drogas é questão de segurança pública e direitos humanos.
“O projeto de lei que protocolei faz muito mais do que legalizar a maconha: ele propõe uma série de mudanças radicais na política de drogas do Brasil. A proibição mata muito mais do que o uso de qualquer droga”, defendeu o deputado do Rio
“Essa nova ‘crise penitenciária’ é a prova de que a política de drogas executada até hoje no Brasil não reduziu o consumo das drogas ilícitas. A atual política de drogas – proibicionista e racista – só serviu para fortalecer o tráfico de drogas”, analisou Wyllys.
No entanto, o parlamentar oposicionista não acredita na aprovação de seu projeto, dada a atual composição do Congresso, predominantemente conservadora.
“A maioria deste Congresso Nacional, infelizmente, parece querer que as coisas continuem como estão”, avaliou.
Outro projeto que está na Câmara define a graduação de penas, de acordo com o grau de risco do entorpecente traficado. Há ainda um texto que permite a concessão de liberdade provisória a pessoas condenadas por tráfico de drogas. As duas matérias ainda aguardam análise de comissão temática.
Julgamento no STF
Está em debate no Supremo Tribunal Federal (STF) a possibilidade de descriminalizar o porte de maconha para uso próprio, além de critérios para distinguir usuários de traficantes. No entanto, a morte do ministro Teori Zavascki deve atrasar ainda mais a tomada de uma decisão sobre o assunto.
O julgamento começou em agosto de 2015, mas, no mês seguinte, foi suspenso por tempo indeterminado em razão de um pedido de vista (mais tempo para analisar o caso) de Teori, que morreu em um acidente aéreo em Paraty (RJ).
Os ministros Roberto Barroso, Luiz Edson Fachin e Gilmar Mendes já votaram a favor da descriminalização do porte de maconha. Porém, outros oito ministros ainda precisam se posicionar sobre o assunto.
Como o voto que suspendeu o julgamento era justamente o de Teori, não há previsão de quando o caso voltará a ser analisado no plenário da Suprema Corte. Antes de o tema voltar à pauta, o substituto do ministro vítima da tragédia aérea terá de se informar sobre o caso para ter condições de dar sua posição.
Ao votar, o ministro Roberto Barroso propôs que quem for pego com até 25 gramas da cannabis seja considerado usuário, pelo menos, até que a Câmara legisle sobre o tema para se chegar a um peso definitivo.
Fachin se limitou a votar pela retirada do caráter penal do processo, deixando para o parlamento a tarefa de determinar a quantidade-limite para o uso pessoal.
Porém, o relator do processo, ministro Gilmar Mendes, votou pela descriminalização de qualquer droga, não somente a maconha.
Legislação atual
A Lei de Drogas (Lei nº 11.343) – em vigor desde 2006 – endurece sanções penais para traficantes e abranda para usuários. Atualmente, um usuário pode ser punido por meio de advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade, programa ou curso educativo, censura verbal ou multa, caso o agente se recuse a cumprir as medidas prévias.
Em caso de tráfico, a pena pode variar de reclusão de cinco a 15 anos e pagamento de multa. A lei, no entanto, é pouco clara quanto à distinção entre usuário e traficante, ficando a critério do juiz determiná-la baseando-se em fatores como quantidade da substância apreendida, antecedentes penais e histórico do detido.
Para o cientista social Robson Sávio, integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a lei atual, que é aplicada com uma guerra às drogas, aumenta a disputa entre facções e o tráfico de armas. Segundo ele, pequenos vendedores e usuários acabam presos, sendo cooptados por facções criminosas.
O pesquisador explica que a aplicação da lei depende da interpretação da polícia e da Justiça. “Se a polícia encontrar uma pessoa com 100 gramas de maconha em um bairro nobre, ela certamente será enquadrada como usuária e voltará para casa. Se a mesma quantidade for encontrada com uma pessoa na entrada da favela, será enquadrada, presa e condenada como traficante”, disse.
Para a ONG Human Rights Watch, em relatório divulgado na última quinta-feira (12), a lei é um elemento-chave para o aumento da população carcerária no Brasil.
“Embora a lei tenha substituído a pena de prisão para usuários de drogas por medidas alternativas, como o serviço comunitário, o que deveria ter reduzido a população carcerária, sua linguagem vaga possibilita que usuários sejam condenados como traficantes”, diz o documento.
Fonte: G1
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