Conferência Episcopal Portuguesa contesta Tribunal Europeu, que decide que empresas podem proibir véu islâmico e avisa que decisão pode estender-se a todos os sinais religiosos
O Tribunal Europeu de Justiça (TEJ) considerou ontem que as empresas europeias têm o direito de proibir funcionários de usar símbolos religiosos visíveis. A notícia agitou a Europa e está a ser ainda digerida em Portugal, numa altura em que os responsáveis religiosos apelam ao bom senso.
Na base da decisão do TEJ estão dois casos mediáticos: no primeiro, o de uma empresa belga que proibiu os seus funcionários que lidam diretamente com o público e com os consumidores de usarem símbolos políticos e religiosos visíveis, o TEJ entende que a mesma não cometeu nenhuma discriminação ao despedir Samira Achbita, uma rececionista que usava o véu islâmico no local de trabalho na empresa de segurança G4S. Num segundo caso, em França, Asma Bougnaoui, engenheira de design, foi despedida da empresa de consultoria Micropole, na sequência da queixa de um cliente que entendeu estar a ser "envergonhado" pelo véu islâmico da trabalhadora.
Numa semana de tensão política na Europa, em especial à conta das eleições holandesas - muito marcadas pela questão da imigração islâmica - e também das eleições presidenciais em França, o primeiro país a banir o uso do véu islâmico, a decisão do TEJ vem agitar as águas no que respeita à liberdade religiosa. "Em Portugal felizmente ainda estamos muito bem", disse ao DN o imã da Mesquita de Lisboa, xeique David Munir. "As empresas são livres de admitir ou despedir quem bem entenderem. Concordo que em matéria de símbolos religiosos poderá causar alguma perturbação nas empresas", sublinha o imã, pondo a questão a outro nível: "O véu não é um símbolo da religião. Faz parte do vestuário da muçulmana. É ignorância chamar-lhe símbolo, é absurdo. Há muita mulher muçulmana que nem sequer usa o lenço." O xeique David Munir deixa ainda outra nota aos muçulmanos que vivem na Europa, "que está a passar uma fase complicada, em que se expulsam pessoas de um avião por falarem árabe ou serem muçulmanas: os muçulmanos também têm de respeitar e conviver com outras culturas e etnias, falar a língua do país onde estão inseridos". É nessa perspetiva de integração e abertura que a Mesquita de Lisboa tem vindo a receber visitas de estudo e de empresas.
Do outro lado do mundo, na Arábia Saudita, onde mora com a família há alguns anos, Luís Gaspar (muçulmano português nascido em França) soube da notícia pelo Le Monde. "É claramente um obstáculo que vai ser tomado como discriminador", disse ao DN. "As pessoas não vão tentar perceber os motivos de tais decisões por parte das empresas. É uma reação emocional que vai acontecer", antevê, quando olha para o futuro, depois desta decisão europeia.
Não é a religião, é a identidade
Do lado da Igreja Católica, ambos os processos agora alvo de decisão pelo TEJ eram seguidos e estudados, bem como todos os que sejam "relativos a questões que envolvem a liberdade religiosa", acompanhados pela comissão de assuntos jurídicos da Comece - Comissão dos Episcopados da Comunidade Europeia.
Numa nota emitida ontem à tarde, o representante da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) naquele organismo, padre Pedro Vaz Patto, considera que "o alcance destas decisões poderá estender-se a quaisquer sinais de identificação religiosa, não apenas os relativos à religião islâmica, também ao uso de uma cruz, como símbolo cristão, por exemplo". Aquele responsável sublinha que a decisão do caso Bougnaoui "não suscita reservas, na perspetiva da proteção da liberdade religiosa. Já a decisão do caso Achbita pode suscitar essas reservas. Será que a imagem de neutralidade da empresa justifica uma imposição deste tipo? Não saberá qualquer cliente distinguir a fé religiosa de um trabalhador da orientação geral da empresa? Não é por uma recepcionista usar véu islâmico que alguém, razoavelmente, associará a empresa como tal ao islão", enfatiza.
O padre Vaz Patto lembra que o uso de um sinal de identificação religiosa pode revestir-se de uma importância muito maior do que o uso de um emblema de um partido político e não representa (ao contrário do que sustentou o advogado-geral que interveio no processo) "uma veste que se possa deixar à porta do local de trabalho, como se a adesão à religião pudesse ficar suspensa durante o horário laboral. Está em causa a própria identidade da pessoa, não só uma opção subjetiva."
Fonte: DN
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