Migração de fiéis ajuda a explicar proliferação de instituições religiosas pelo país
A migração de fiéis entre instituições de diferentes matrizes religiosas é uma das explicações para o surgimento de uma igreja por hora no país, analisa a teóloga Maria Clara Bingemer, professora da PUC-Rio. Dados divulgados pelo GLOBO mostram que desde 2010 foram registradas na Receita Federal 67.951 "organizações religiosas ou filosóficas" — uma média de 25 por dia. Segundo Maria Clara, novas associações não conseguem necessariamente manter os fiéis por muito tempo, o que transforma os templos em lugar de trânsito.
Como explicar o fenômeno da proliferação de igrejas de diferentes matrizes religiosas?
Para considerar igreja tem que ter um certo numero de fiéis, normas, sistemas rituais, códigos.. É fato que, nesse movimento neopentecostal, tem gente que está criando igreja no fundo do quintal. Então, a gente teria que ver o que chamar de igreja, o que está se aplicando nesse sentido, se existe um crescimento quantitativo de várias agremiações em torno da religião, da fé, ou se são pequenos movimentos.
E do ponto de vista do fiel? Por que a demanda por novas instituições parece crescer?
Há muita migração entre as igrejas hoje. Os fiéis dessas igrejas neopentecostais, muitas vezes, são ex-católicos, ex-protestantes, enfim, estavam em outras religiões e resolveram migrar. Mas também não permanecem; elas são lugar de trânsito.
É possível que novas igrejas funcionem como filiais das instituições mais conhecidas?
A Igreja Universal (do Reino de Deus) funciona assim: são franquias. O bispo (Edir) Macedo instaurou esse sistema, que tem sido estudado pela teologia, uma igreja mercadológica, que forma pastores a toque de caixa.
A situação de crise que o país atravessa fomenta a busca por instituições religiosas?
Certamente. Acho que hoje, com aumento do desemprego, da desigualdade, as pessoas tendem a buscar a instancia espiritual não só como consolação, alívio, mas como esperança. Se as instâncias terrenas não estão funcionando, vamos pedir a Deus.
A expansão dos grandes centros urbanos e crescimento das cidades médias ajudam a explicar o alto número de novas associações religiosas?
A igreja tradicional, católica e protestante, era um fenômeno mais rural. Tudo girava em torno da igreja. Com esse deslocamento do campo para a cidade, as pessoas incham as periferias, e o modus vivendi é diferente, as afinidades não são geográficas. Uma pessoa atravessa a cidade para celebrar o culto. O crescimento urbano tende à despersonalização das relações.
A proliferação de pregadores de destaque, visto como figuras públicas, também impulsiona o surgimento de novas instituições religiosas?
Às vezes padres, pastores, líderes religiosos que adquirem destaque atraem (fiéis), sim. Mas não vejo alguém de destaque agora, capaz de mobilizar multidão. Acho que o Papa Francisco ocupou esse espaço. Tivemos a época do Padre Marcelo Rossi, que ocupava galpões em São Paulo. No Rio, não sei se tem isso hoje em dia. Tem pastores na televisão. Mas não temos mais os grandes pregadores, da palavra. Não estamos bem servidos nesse sentido, o que também não é ruim. Tudo que é centrado no culto à pessoa não é muito a filosofia das igrejas. O Papa Francisco não estimula o culto à idolatria, por exemplo.
Fonte: O Globo
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