A decisão do Supremo Tribunal Federal de aceitar denúncia contra o senador Valdir Raupp (PMDB-RO), sob a acusação de ter recebido propina de uma construtora maquiada como doação de campanha legal, gerou reação instantânea em Brasília.
A elite política da capital já vive clima de contagem regressiva à espera da nova lista de parlamentares a serem investigados na Operação Lava Jato com base nas delações da Odebrecht. As especulações sobre o número de políticos desta vez dão conta de mais de uma centena. A porta aberta no Supremo com o caso Raupp só complica o panorama: a movimentação faz voltar à tona o esforço de tentar emplacar no Congresso uma anistia do crime de caixa 2 (contribuições não contabilizadas), enquanto deputados e senadores se preocupam agora até com caixa 1. Nem quem recebeu recursos apenas pelas vias oficiais se sente a salvo.
Na decisão sobre Raupp, a Corte disse que as doações oficiais e declaradas à Justiça Eleitoral feitas pela empreiteira Queiroz Galvão ao peemedebista podem, sim, ser consideradas como possível propina – algo que ainda terá de ser provado pelo Ministério Público Federal ao longo do julgamento. Foi uma espécie de teste bem-sucedido para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Uma das principais teses da acusação na Lava Jato é que, além de contribuir com valores não declarados, muitas empreiteiras doavam oficialmente aos políticos em troca de benesses, aprovação de leis de seu interesse e facilidade em contratos.
Se há dois anos Janot abalou o establishment ao apresentar a primeira lista de políticos citados na Lava Jato, agora ele prepara, com ainda mais poder, a “Janot 2″ a partir das 78 colaborações com a Justiça de ex-diretores e executivos da Odebrecht. Com o pedido de novas investigações, o procurador-geral deve solicitar o fim do sigilo de ao menos parte das delações. A expectativa é que seja um material monumental e por isso o staff técnico da corte já se prepara para distribuir o futuro material aos jornalistas, aprofundando o clima de ansiedade.
Na última quarta-feira, um dia depois da decisão de Raupp, o clima de comemoração na Câmara instaurado pelo Dia Internacional da Mulher não dissipava de todo a preocupação. O líder do PT na Câmara, Carlos Zarattini (SP), qualificou a decisão do Supremo como grave, e disse que a jurisprudência criminaliza as doações legais. O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), minimizou o fato e afirmou que as acusações ainda terão de ser provadas: “Se não ficar claro que há uma relação entre a doação e pedidos indevidos, o caso será arquivado”.
Coube à deputada Luiza Erundina (PSOL-SP), verbalizar o que os demais não ousavam falar publicamente. Ela disse existir “uma tendência forte na Casa” pela aprovação de um projeto de anistia. “De repente aparece na pauta algo do tipo, sem conhecimento de ninguém”, diz a parlamentar. De acordo com ela, um acordo do tipo “beneficiaria meio mundo no Congresso, já que a imensa maioria dos partidos praticou esse crime [de caixa 2]”.
A tentativa dos congressistas de passar uma borracha nos crimes de caixa 2 já é antiga: em novembro do ano passado deputados tentaram incluir no projeto Dez Medidas Contra a Corrupção um artigo que previa a anistia para quem tivesse praticado o crime de caixa 2. Na prática, o adendo desfigurava o projeto original, proposto pelo Ministério Público Federal, que visa justamente coibir este tipo de conduta. À época, sob críticas e após a repercussão negativa da manobra, os parlamentares recuaram
No início do mês reportagem do jornal Valor trazia informações de que um grande acordo está sendo costurado com Maia e as lideranças dos principais partidos para pautar a anistia ao caixa 2 na Casa.
Até o ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso deu um pitaco na questão, logo após os vazamentos da Lava Jato atingirem um aliado. O delator Benedicto Barbosa Júnior, ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura, disse à Justiça que o senador Aécio Neves (PSDB-MG) pediu à empreiteira 9 milhões de reais no caixa 2 da campanha tucana de 2014. FHC saiu em defesa do colega de legenda, e disse que é preciso diferenciar caixa 2 ( “erro que precisa ser reconhecido”, segundo ele) de corrupção, ou propina disfarçada de doação.
Para o deputado Marcelo Matos (PHS-RJ), a decisão do Supremo “é complicada, porque o parlamentar não tem controle completo sobre a origem do dinheiro doado”. Segundo ele, a decisão da Corte abre um “precedente perigoso”, e “cada caso precisa ser analisado individualmente”.
“É preciso diferenciar algumas coisas. Como por exemplo o caso de quem recebeu doação de empresa até 2014, quando ainda era legal. Senão vira uma caça às bruxas”, afirma o deputado Carlos Manato (SD-ES). Ele, no entanto, prega a apuração de eventuais crimes cometidos: “Tem que pegar todo mundo. Se eu tiver recebido [ilegalmente], tem que pegar eu também”. O partido de Manato tem quadros investigados pela Lava Jato e recebeu doações das empreiteiras envolvidas no esquema.
O primeiro sinal de reação, no entanto, veio do Senado. “Eu quero dizer que é constitucional a figura da anistia, qualquer que ela seja”, afirmou Edison Lobão (PMDB-MA), presidente da Comissão de Constituição e Justiça, em entrevista ao Estado de São Paulo em fevereiro. Detalhe: o peemedebista é alvo de investigações em dois inquéritos da Lava Jato, e existe a expectativa de que as delações do fim do mundo da Odebrecht compliquem ainda sua situação. O presidente da Casa, Eunício de Oliveira (PMDB-CE), tratou de colocar panos quentes após as declarações do colega de legenda, e afirmou que a anistia ao caixa 2 não está na pauta do Senado.Fonte: El País
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