E ouvireis de guerras e de rumores de guerras. Mateus 24:6
Olhando do território ocupado por Israel, o que se vê é um terreno acidentado, coberto de rochas, que se inclina fortemente na direção de uma estrada patrulhada e de uma cerca de fronteira.
A atual fronteira da Síria fica praticamente na metade do caminho até a próxima escarpa, explica um jovem tenente. E a apenas dois quilômetros de distância há uma outra elevação - é a Jordânia.
Este é o limite de Israel com a Síria. O exército sírio deixou as Colinas de Golã, capturadas por Israel durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967.
Com excelentes recursos hídricos, a região é considerada estratégica e foi anexada por Israel em 1981.
Alguns colonos israelenses vivem ali e a Síria se recusa a aprovar qualquer acordo de paz ou a normalização das relações com Israel a menos que as colinas sejam devolvidas.
A área é fortemente patrulhada.
Nosso veículo se aproxima de uma coluna de tanques Merkava, radares e armamentos israelenses cobertos com lonas impermeáveis que os protegem da umidade do inverno.
Algum tempo atrás, as coisas eram relativamente simples por aqui. Israel observava o exército sírio respeitar o cessar-fogo monitorado por observadores das Nações Unidas.
Quase não havia necessidade de as tropas estarem ali. Esta era a fronteira mais pacífica de Israel desde 1973. Mas a guerra na Síria e o colapso do governo Assad em várias áreas do país mudaram as coisas.
'Mais perto do que nunca'
A geografia do lugar não é o único complicador. A guerra na Síria também mudou o mapa estratégico da área.
Do outro lado, a zona sul de Golã está nas mãos de uma força local - a Brigada dos Mártires de Yarmouk - aliada ao grupo autodenominado Estado Islâmico (EI).
As tropas israelenses observam os combatentes fazendo exercícios e monitorando suas posições, mas quase nunca há problemas por ali.
O que preocupa Israel é o que ocorre mais ao norte, região onde venceu o governo sírio apoiado pelo Irã e seu aliado - o grupo militante xiita libanês Hezbollah.
Asher Susser, professor do Centro de Estudos do Oriente Médio na Universidade de Tel Aviv, resumiu em uma frase:
"Mais do que nunca, as mudanças na Síria trouxeram o Irã para perto da fronteira israelense".
Pelo menos teoricamente, diz ele, isso cria a "possiblidade de uma cooperação entre o Irã e o Hezbollah não apenas ao longo da fronteira de Israel com o Líbano, mas também na fronteira de Israel com a Síria".
Na opinião de Susser, existe "um perigoso potencial para surgir uma ampla fronteira desde o Mediterrâneo, passando pelo Líbano e pela Síria, com o Hezbollah e o Irã ficando muito perto de Israel".
"Israel nunca enfrentou este tipo de situação na sua fronteira do norte", acrescenta.
'Corredor iraniano'
Mas qual é exatamente o objetivo do governo de Teerã na Síria? Em busca de uma resposta, procurei Ehud Yaari, comentarista veterano de assuntos do Oriente Médio do Canal 2 da TV israelense.
"O objetivo estratégico dos iranianos hoje em dia é estabelecer um corredor terrestre entre o Irã e o Hezbollah no Líbano, que chegue ao Mediterrâneo e à fronteira israelense", disse.
Ele explicou que o corredor terrestre iria "do Irã, passando pelas regiões xiitas do Iraque e pelo deserto no oeste do país, fazendo a conexão com as áreas controladas pelo regime sírio e o Hezbollah".
"Hoje em dia isso é uma importante ameaça estratégica para Israel", destacou.
O Irã, por sua vez, não é o único país envolvido nos combates na Síria.
A Força Aérea russa - com os combatentes do Hezbollah e outras milícias xiitas - teve um papel decisivo na manutenção do regime de Assad.
A Rússia anunciou duas vezes que reduziria suas tropas, mas ultimamente os indícios são de que seus militares vão continuar na Síria.
Entendimento com os russos
A presença dos aviões de combate russos e especialmente de radares de longo alcance e mísseis antiaéreos complicam ainda mais o cenário de ameaças enfrentado pela Força Aérea israelense.
Por várias vezes, Israel atacou carregamentos de armas da Síria para o Hezbollah e estabeleceu uma "linha vermelha" que impede a transferência de mísseis sofisticados para o grupo xiita.
Ehud Yari disse que a presença dos russos não afetou de maneira importante a liberdade de ação da Força Aérea israelense sobre o sul da Síria.
"Existe um entendimento", explicou, "uma espécie de linha direta entre Israel e Rússia, em que um oficial da Força Aérea israelense, que fala russo, e um colega da Rússia coordenam as ações e garantem que não haverá percalços".
Este acordo, insistiu, está funcionando e isso acontece basicamente porque os interesses estratégicos da Rússia são muito diferentes daqueles do Irã.
Yaari acrescentou que os russos não estão muito interessados em proteger os carregamentos de armas destinadas ao Hezbollah nem na segurança ao sul de Damasco, perto da fronteira com Israel.
Ameaça crescente
Então qual é o tamanho desta ameaça para Israel? Uma série de comunicados militares sugere que o Hezbollah - que vem se armando cada vez mais - é considerado talvez o principal desafio para a segurança israelense.
O Hezbollah é visto agora como um exército de fato e de direito, graças ao treinamento e aos equipamentos de que dispõe, em vez de uma milícia semiprofissional.
"O grupo sofreu muitas baixas nos combates na Síria, mas também ganhou uma valiosa experiência de combate", disse um oficial israelense.
Também estabeleceu uma sólida infraestrutura no sul do Líbano, com um imenso arsenal de mísseis de alcances variados.
O temor entre os peritos militares israelenses é de que, com o apoio do Irã, o Hezbollah possa tentar estabelecer uma plataforma semelhante de operação também na Síria.
Segundo Ehud Yaari, há um precedente para este temor.
"A maior preocupação agora é de que o regime de Assad tenha a habilidade de negociar acordos com diferentes facções rebeldes nas regiões do sul da Síria para que elas se retirem das áreas fronteiriças", disse.
"Isso", acrescentou, "é exatamente o que ocorreu em outras áreas da Síria, especialmente nas zonas rurais em torno da capital Damasco".
Uma medida assim poderia abrir caminho para que o Hezbollah, a Guarda Revolucionária do Irã e outras milícias xiitas patrocinadas pelo Irã estabelecessem raízes no sul.
O poder de Putin
Atualmente, isso é considerado mais uma potencial ameaça.
O professor Asher Susser disse que, a longo prazo, tudo depende de como a Rússia vai manipular o jogo de alianças regionais.
"Se os russos e os turcos estão de um lado da equação e os iranianos do outro, eles poderiam limitar as conquistas do Irã", continuou.
Por isso os contatos de Israel com Moscou são considerados tão importantes.
"Essa é uma relação que o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, vem fortalecendo nos últimos dois anos", lembrou.
"Putin e os russos entendem as necessidades estratégicas de Israel que, se forem levadas em consideração, podem colocar um freio no projeto sírio-iraniano", acrescentou.
Ninguém sabe como ou quando vão acabar os combates na Síria. Vários especialistas israelenses consultados esperam algum tipo de acordo regional que possa conter os movimentos das milícias apoiadas pelo Irã no território sírio.
Mas, com acordo ou não, a realidade é que os novos atores nas fronteiras de Israel representam desafios inéditos e mais complicados.
Fonte: BBC
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