(Mc 2.1-12; Lc 5.17-26)
1-8 Entrando Jesus num barco, passou para o outro lado e foi para a sua própria cidade. E eis que lhe trouxeram um paralítico deitado num leito. Vendo-lhes a fé, Jesus disse ao paralítico: Tem bom ânimo, filho; estão perdoados os teus pecados. Mas alguns escribas diziam consigo: Este blasfema. Jesus, porém, conhecendo-lhes os pensamentos, disse: Por que cogitais o mal no vosso coração? Pois qual é mais fácil? Dizer: Estão perdoados os teus pecados, ou dizer: Levanta-te e anda? Ora, para que saibais que o Filho do Homem tem sobre a terra autoridade para perdoar pecados - disse, então, ao paralítico: Levanta-te, toma o teu leito e vai para tua casa. E, levantando-se, partiu para sua casa. Vendo isto, as multidões, possuídas de temor, glorificaram a Deus, que dera tal autoridade aos homens.
Essa história é narrada com mais detalhes pelo evangelista Lucas. No comentário a Lucas pode ser lida uma explicação pormenorizada. Aqui apenas traremos alguns breves destaques. A expressão sua própria cidade significa, na linguagem judaica, o lugar de residência. Portanto, Jesus retornou a Cafarnaum, vindo da “terra dos gadarenos”. O relacionamento do Salvador com a comunidade de Cafarnaum continua.
A palavrinha “eis” introduz novamente algo súbito e inesperado. Quatro homens trazem até o Senhor um paralítico. Quando Jesus viu a fé deles, a saber a fé dos carregadores e do paralítico, disse ao paralítico: Tem bom ânimo, filho, teus pecados estão perdoados!
Entre os escribas presentes a palavra de Jesus explodiu como uma bomba. Eles empalideceram de susto diante da afirmação: Teus pecados foram perdoados! Esse Jesus de Nazaré está expressando uma blasfêmia.
O que revoltava essas pessoas legalistas era o fato de que Jesus perdoou a partir de si próprio diretamente os pecados do paralítico. Isso significa interferir num direito majestático de Deus, tendo a ousadia de perdoar pecados aqui e agora (na terra). Ainda mais que o fato evidente da paralisia está manifestando claramente que Deus ainda não perdoou. Se ao menos esse Jesus de Nazaré tivesse dito: “Deus o perdoa” ou “Deus o perdoe”, ou se tivesse dirigido uma oração a Deus – tudo isso ainda teria sido suportável. Mas agora ele afirma a partir de si próprio: “Teus pecados te foram perdoados”. Isso é intolerável, é ofensa a Deus! Isso deve ser punido com a pena de morte por apedrejamento.
Os pensamentos e as discussões dos escribas não deixavam de ser bem-vindas para Jesus. Eles lhe davam oportunidade de tratar toda a sua ação de cura anterior e também a ação seguinte no paralítico como uma lição objetiva e acrescentar-lhe agora, de modo enfático, a explicação.
Que é mais fácil dizer: Teus pecados estão perdoados, ou dizer: Levanta-te e anda!? Com essa dupla pergunta ele acerta bem no alvo. O que é mais fácil? Se a questão é a mera afirmação exterior, então é mais fácil dizer: “Seus pecados foram perdoados!”. Pois “exteriormente” não se vê nada! O sentido dessa pergunta é: “Vocês pensam que são palavras vazias quando afirmo: Seus pecados lhe foram perdoados? Bem, então vejam vocês próprios se a ordem que eu expressarei agora também é uma palavra vazia!” Em voz alta e clara seguem-se as palavras do Senhor Jesus: Pois vou mostrar a vocês que eu, o Filho do Homem, tenho poder na terra para perdoar pecados. Então disse ao paralítico (com que suspense as más consciências prestam atenção nessa magnífica palavra!): Levante-se, pegue a sua cama e vá para casa!
Temos de imaginar, entre a expressão “Vou mostrar a vocês…” e a ordem “Levante-se”, um momento de silêncio solene, um momento de tensa expectativa, preenchido pelo narrador com as palavras: “Então disse ao paralítico…” Essa forma de narrativa baseada na visualização direta encontra-se igualmente nos três relatos paralelos. Ela marcara profunda e indelevelmente a memória de todos. Por ser anunciada antes, a cura transformou-se numa comprovação irrefutável. Com as palavras “na terra” Jesus se declara como representante terreno daquele que perdoa no céu.
Somente pode libertar da culpa aquele contra quem o pecado foi cometido. Somente o credor tem o direito de presentear a dívida. O credor é Deus no céu. Mas também existe uma pessoa sobre a terra através de quem os pecados são retirados, que é o “Filho do Homem”. Ele é integralmente homem, mas de forma única e incomparável, de modo que nenhum ser humano pode igualar-se a ele. Pois ele é Filho de Deus e autorizado por Deus. O que ele realiza não o faz a partir de perfeição própria de poder, apesar de ser o próprio Filho de Deus. Não, realiza somente aquilo que ele vê o Pai realizando (Jo 5.19).
A autoridade régia de Cristo abriu caminho na multidão para o pecador agraciado. Cristo comprovou visivelmente em suas pernas aquilo que antes tinha realizado invisivelmente em seu coração.
De todos apoderou-se o medo, de modo bem especial dos escribas. Quem não teria o mesmo sentimento, quando Deus, o Criador, intervém e fala de maneira tão poderosa! Glorificaram a Deus.
É digno de nota que ninguém glorifica a Jesus. Ninguém deve ter se lembrado disso.
Nesse exemplo tinha sido revelado a eles que Jesus é capaz de sarar o passado maligno de uma pessoa com “uma só palavra”, que Jesus lhe pode perdoar o pecado, um alívio pelo qual anseia toda consciência oprimida. A formidável confirmação pela cura anuncia fortemente ao coração de cada um: “A quem Jesus perdoa, este de fato está perdoado”.
Assim, pois, foi exposta bem alto e claramente a palavra do “perdão dos pecados”, a palavra que quer trazer de volta ao Pai todos os filhos desgarrados. Não cabe investigar de que maneira o estado de enfermidade do curado estava ligado ao seu pecado. Mas não há dúvida de que ele estava conectado ao sentimento de culpa. A pessoa que sinceramente anseia por salvação sempre terá como primeira necessidade em seu sofrimento reconciliar-se com Deus por causa de seu pecado. Sua maior angústia é o pecado, não a doença. Cristo encara com misericórdia essa atitude primordial, abordando-a com uma medida salvadora.
Jesus estabelece a reivindicação de ser, como reconciliador posicionado e atuante entre Deus e a pessoa, “a virada dos tempos”. Tanto quanto a palavra: Tem bom ânimo, filho, teus pecados estão perdoados!, essa reivindicação é tão colossal, tão escandalosa, que apenas nos resta crer nela ou “irritar-se”! E os fariseus, esses não acreditaram nela, mas irritaram-se!
Fonte: Mateus - Comentário Esperança
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