Por agora destaco uma parte da viagem missionária dos apóstolos Paulo e Barnabé em Listra (registrado por Lucas em Atos 14.8-15). O texto nos conta que lá havia um paralítico dos pés, aleijado desde que nasceu, nunca havia andado. Mas teve a oportunidade de ouvir Paulo e este olhou diretamente para ele, viu nesse paralítico fé para ser curado, e assim, simplesmente disse para levantar e ficar em pé.
O homem que vivia sentado não apenas ficou em pé, ele deu um salto e começou a andar. E a multidão que ali estava para ouvir a Paulo ficou impressionadíssima e começou a gritar: “Os deuses desceram até nós em forma humana!” Culturalmente não seria a primeira vez, mas sempre um momento especial. E o que se faz diante de um deus? Oferece-se sacrifícios. Assim era entendido e assim começou-se a fazer.
O sacerdote mais próximo começou a providenciar as oferendas rapidamente e agilizar outros a fim de que esses deuses fossem bem recebidos, adorados. E Barnabé e Paulo, ao entenderem do que se tratava, desejaram interromper aquilo tudo imediatamente, portanto, até rasgaram as roupas e procuraram gritar mais alto: “Por que vocês estão fazendo isso? Nós também somos humanos como vocês… afastem-se dessas coisas vãs e se voltem para o Deus vivo”.
Hoje, encontramos com certa facilidade, líderes que ao contrário de Paulo e Barnabé buscam adoração, e olha que nem fazem muitos milagres! Mas desejam ter sua multidão particular de seguidores, de gente que os admirem, que se sacrifiquem por seus projetos pessoais, que confundam sua autoridade com a de Deus. Como é bom ser bajulado, solicitado, reverenciado, e esse gosto vai crescendo por dentro, até o sujeito achar natural que ele seja mesmo especial e notado por isso. Logo, não deve ser questionado, e discordar dele é como voltar-se contra Deus. Às vezes isso se dá de maneira sutil, lenta, mas exercer liderança é sempre correr esse risco, lidar com essa tentação.
Respeitados líderes e alguns mestres já nos alertaram. Clodovis Boff nos lembra que o poder humano está marcado pela concupiscência. Richard Foster comenta que “o casamento entre o orgulho e o poder leva-nos à beira do demoníaco”. Thomas Merton afirma sobre a necessidade de “sermos salvos do abismo de confusão e de absurdo que é o nosso próprio ser mundano. A pessoa tem de ser salva do indivíduo… ser libertado do ego esbanjador, hedonista e destruidor, que procura apenas cobrir-se com disfarces”. James Houston esclarece que “o narcisismo espiritual significa assumir a responsabilidade pessoal de ser seu próprio Salvador, de ser a força que move e molda a própria espiritualidade”.
Aprecio a ênfase de Paulo, salientando: “Nós também somos humanos como vocês”. Parece que nosso tempo incentiva cada vez mais o cuidado vaidoso com a imagem que é o que se sobressai, embolado na igreja com um valorizado ativismo, resultando num afastamento natural daqueles que estão ao redor. Não há tempo para discipulado, mas há instantes para alimentar os fãs. Não há investimento na intimidade, no aprofundamento dos relacionamentos fraternos, mas há vitrines nos congressos que são concorridas, espaços nas mídias, e assim nos distanciamos do contato com a realidade, com a nossa humanidade pouco conhecida, quase nunca assumida.
Nos perdemos, ou no mínimo, nos distraímos com coisas vãs, com o supérfluo na caminhada cristã, não permitindo que o evangelho de Jesus Cristo arranque nossas máscaras, revele-nos quem de fato somos em nosso íntimo. A preocupação com a popularidade parece maior do que o cuidado com a interioridade. Desprezamos o tempo de silêncio, banalizamos relacionamentos próximos, pessoalidade verdadeira, vínculos que exigem atenção e dedicação.
Há poucos interessados em conhecer de onde vêm suas dores, preferem apenas aplacar os sintomas como insônia, ansiedade, depressão, etc. Esconde-se fragilidades e ignora-se sinais de que algo não vai bem do lado de dentro. A comunhão genuína pode descortinar embaraços, nos ajudar a nomear inquietações, a confessar um narcisismo que não conhece freios. Permitir que outros se aproximem da gente como realmente somos e não como deveríamos ou gostaríamos de ser, é muito proveitoso, libertador, potencialmente curador. Podemos encontrar consolo e encorajamento, ajuda para voltarmos ao essencial, voltarmo-nos ao Deus vivo que tão bem nos conhece.
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