Infelizmente essa frase tem sido usada como um jargão, ou um mantra, daqueles que, quando questionados de seus atos, se apoiam em um texto distorcido do seu contexto, para que possam fazer qualquer coisa e que não sofram questionamento.
Na Bíblia realmente vemos versículos que falam sobre este assunto:
“E declarou aos que o seguiam: “Que Yahweh me livre de proceder com vingança contra o meu senhor, de levantar a mão contra ele; afinal, ele é o rei, ungido pelo SENHOR!” (1 Samuel 24:6)
“Mas Davi respondeu a Abisai: Quem levantaria a sua mão contra o ungido de Yahweh e ficaria impune?” (1 Samuel 26:9)
“Indagou-lhe ainda Davi: “Como não receaste levantar a tua mão contra o ungido de Yahweh para tirar-lhe a vida?” (2 Samuel 1:14)
O contexto desses versículos esclarece qualquer eventual dúvida do que estava acontecendo neste período.
O Rei Saul realmente foi um ungido como Rei de Israel. Porém, na história de Israel, vemos que Saul começa a perseguir a Davi, e que este teve a chance de matar a Saul, mas não o fez, por temor, como lemos nos versículos, de tocar em um ungido de Deus.
Infelizmente, esse texto tem sido interpretado de forma absurdamente equivocada, e associada com uma espécie de mandamento ou princípio bíblico relacionado aos pastores e líderes das igrejas de hoje. A compreensão então é que o pastor ou líder é o ungido, e não se pode “tocar” nele, ou seja , se o pastor estiver cometendo erros grosseiros, não se pode questionar nada, nem contra argumentar até as piores heresias, pois o ensino que é passado por estes é que qualquer atitude de questionamento significa o mesmo que questionar o próprio Senhor. Obviamente, não é isso que a Bíblia está dizendo.
O termo “ungido do Senhor” é usado em relação aos reis de Israel. Para que o ofício deles fosse formalizado e reconhecido, era derramado o óleo sobre sua cabeça para que fosse o sinal visível da separação ao cargo.
Essa unção, essa consagração, com óleo era realizada por um juiz (na época dos Juízes) ou por um profeta, que foi inclusive o que Samuel fez tanto com Saul, e depois com Davi. Lemos isso em 1 Samuel 16:13. Porém, mesmo que Davi não tenha matado Saul, ou seja, “tocado”, literalmente em Saul, isso não significa que ele se mostrou indiferente face aos erros de Saul. Ele apenas não queria matar aquele que foi consagrado rei e ungido com óleo para este cargo.
Lendo o primeiro livro de Samuel podemos ver Davi confrontando Saul e acusando-o de persegui-lo injustamente (1 Samuel 24:15). Davi não ficou calado dizendo estar submisso ao ungido, como muitos fazem hoje em dia. Inclusive Davi pediu a Deus que castigasse Saul pela perseguição que este fazia a ele, como vemos lá em 1 Samuel 24:12.
O que me causa profunda indignação é usarem esta história em todas as situações, como um escudo dizendo que não se pode confrontar ou questionar um pastor ou líder que esteja errado. Essa, sem dúvida, é uma das razões pelas quais alguns líderes se tornam tiranos e interferem de forma irresponsável na vida das ovelhas, pois ensinam que se ousarem pensar e questionar estão tocando no ungido. Colocam os pastores como o próprio “deus” onde não há margem de erro, e qualquer questionamento é sinônimo de rebeldia.
Com isso não quero dizer que não devemos respeitar aos pastores. Muito pelo contrário. Os verdadeiros pastores da Igreja de Cristo merecem nosso respeito. Até porque os verdadeiros não ensinam essas doutrinas, e são humildes em ouvir uma crítica.
Porém, os pastores devem ser respeitados quando estão, de fato, submissos a Palavra de Deus. Lemos claramente isso lá em 1 Timóteo 5: 19 – 20:
“Não aceites acusação contra um presbítero, se não houver mais duas ou três testemunhas. Quanto aos que vivem na prática do pecado, repreende-os na presença de todos, para que os outros, de igual maneira, se encham de temor.”
Os pastores que estiverem vivendo de forma errônea devem ser repreendidos publicamente, para servir de exemplo. Ou seja, a ideia de “não tocar no ungido” não faz o menor sentido.
Nem Jesus, nem os apóstolos, nem os mártires da fé usaram da prerrogativa de serem “ungidos” ou de “não se pode tocar nos ungidos”. Muitos homens e mulheres de Deus se esforçaram para pregar o Evangelho, sofreram acusações terríveis, foram torturados, apedrejados, foram mortos sem usar essa heresia como defesa pessoal.
Fato é que verdadeiros homens de Deus respondem a críticas com trabalho e argumentos, não impondo medo e mentindo dizendo que não se pode “tocar no ungido” e que eles são os ungidos, para que ninguém questione suas atitudes. E detalhe, o “tocar” em todo o contexto era literalmente tocar. Significava agredir fisicamente, no caso de Davi e Saul, significava matar.
Usar desse jargão para evitar críticas é a prova clara que quando faltam argumentos, sobram pretextos e mentiras, e nessa mentira, o Evangelho de Cristo não está presente.
Por Marco Aurélio Cicco
Fonte: Pulpitocristão
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