O Ministério Público Federal denunciou na última semana formalmente por calúnia o delegado e o agente da Polícia Federal que acusaram irregularidades e coação envolvendo a cúpula de delegados da Operação Lava Jato, em Curitiba (PR) – onde estão concentradas as apurações de corrupção e cartel na Petrobrás.
A acusação entregue à Justiça Federal no dia 11 é a primeira ofensiva contra suposta tática de contrainteligência que investigadores da Lava Jato identificaram, a partir do final de 2014. A estratégia seria desestabilizar as apurações e tentar algum tipo de nulidade legal na condução do caso, que atingiu a partir de novembro do ano passado as maiores empreiteiras do País e seu papel e conluio com os dois principais partidos do governo federal, PT e PMDB. Um rombo de pelo menos R$ 19 bilhões nos cofres públicos até aqui.
O delegado Mário Renato Castanheira Fanton e o agente federal Dalmey Fernando Werlang foram denunciados criminalmente à Justiça Federal pelo procurador Daniel Holzmann Coimbra, do Grupo de Controle Externo da Atividade Policial da Procuradoria.
Eles são acusados de se associarem “para ofender a honra dos colegas”, apontando grampos ilegais na cela do doleiro Alberto Youssef – peça central da Lava Jato, e cujo fato teria poder de anular provas da investigação – e vícios na sindicância aberta para conduzir o caso.
A Procuradoria pede abertura de ação penal por calúnia, que prevê pena de seis meses a dois anos de prisão e multa, aumentada em um terço da pena por envolver vítima agente público no exercício da função.
Vítimas
As supostas vítimas dos dois federais são seis delegados da Lava Jato, alguns deles que integram a cúpula da Polícia Federal, em Curitiba, como Rosalvo Ferreira Franco, superintendente regional no Paraná, e Igor Romário de Paula, delegado regional de combate ao crime organizado. Além do delegado Mauricio Moscardi Grillo, responsável pela apuração interna sobre o suposto grampo clandestino na cela do doleiro.
Narra a denúncia que em março de 2015, o delegado Fanton, lotado na delegacia da PF em Bauru (SP), de Polícia Federal, desembarcou em Curitiba – sede das investigações da Lava Jato, envolvendo alvos sem direito a foro especial – para cumprir “missão” de “conteúdo sigiloso” na Superintendência da Polícia Federal no Paraná.
“Antes da conclusão do apuratório, no dia 30 de abril de 2015, não foi dada continuidade à missão, pelo que Fanton deveria retornar à delegacia de origem”, registra o procurador da República Daniel Holzmann Coimbra.
Nesse período, o agente Werlang cumpria função no Núcleo de Inteligência da PF (NIP), em Curitiba, comandado pela delegada Daniele Rodrigues – também alvo das supostas calúnias. Os dois federais denunciados teriam se encontrado entre os dias 2 e 3 de maio, “imediatamente após o afastamento de Fanton”.
O assunto seria o afastamento do delegado. “Após esses encontros, associaram-se para ofender a honra dos colegas que entendiam ser os responsáveis pelo afastamento”, registra a denúncia.
A partir de então, os dois passaram a apontar que a escuta encontrada em abril e a sindicância que apurou o caso. Para isso, teriam se envolvido em suposto plano que incluiu um depoimento colhido de forma ilegal do agente Dalmey, um depoimento à Corregedoria da PF em que Fanton comunicou falsa coação a um terceiro agente envolvido no episódio da escuta na cela de Youssef.
“Na segunda-feira (4 de maio), no hotel em que Fanton estava hospedado, e sem nenhum procedimento formalmente instaurado, ele tomou depoimento de Dalmey, o qual relatou supostos vícios na sindicância 04/2014, sindicância esta acerca da escuta ambiental localizada por Alberto Youssef no forro da cela que ocupava”, registra a Procuradoria.
No mesmo dia, o delegado Fanton levou ao Ministério Público Federal acusação de que três delegados das investigações da Lava Jato, Igor, Daniele e Moscardi, “coação no curso do processo”. “Fui coagido a manipular provas no inquérito pelo dpf Igor, sua esposa dpf Daniele, dpf (delegado da Polícia Federal) Moscardi e ate do escrivão do feito”, escreveu ele em mensagem eletrônica encaminhada à Procuradoria.
Na Corregedoria-Geral da Polícia Federal, dois dias depois, Fanton também disse que agente federal conhecido como “Bolacha” sofreu algum tipo de pressão para não indicar eventuais culpados “no decorrer da sindicância” realizada em 2004.
“Bolacha” é o agente Paulo Romildo Rossa Filho. Responsável pela carceragem da PF, ele havia prestado depoimento na sindicância 04/2014 conduzida pelo delegado Moscardi e concluída em setembro de 2014, após localização de aparelho de captação de áudio na cela em abril, informa a denúncia contra os dois federais. A conclusão foi que não houve irregularidades e que o equipamento era inativo.
“Ao contrário do que insistem os acusados em dizer, não houve nenhuma espécie de coação sobre o agente Romildo no que diz respeito ao seu depoimento perante a sindicância realizada no ano de 2014″, sustenta o procurador do Grupo de Controle Externo da Atividade Policial do MPF.
“Tampouco existiu a afirmada coação a Fanton por parte dos delegados Igor, Daniele e Moscardi.”
O procurador encerra a denúncia com a afirmação de que “Fanton e Dalmey tinham plena ciência, a todo tempo, de que essa coação não existiu”. No pedido de abertura de ação penal por calúnia, Coimbra arrolou como testemunha de acusação o agente Rossa Filho, conhecido como Bolacha. O procurador não integra a força-tarefa da Lava Jato.
Dissidentes. A denúncia do órgão, externo à Lava Jato, reforça as suspeitas dos investigadores de que o episódio pode ter relação com suposta tática adotada por empreiteiras do cartel para tentar anular a Lava Jato.
Em maio, investigadores descobriram que assessorias de imprensa contratadas por empreiteiras do cartel, entre elas a da construtora Norberto Odebrecht, ajudaram a “difundir” para os jornais, rádios e TVs o conteúdo dos depoimentos dos dois federais denunciados.
No dia 2 de julho, os dois policiais federais foram convocados pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobrás, após essa divulgação dos depoimentos dos dois acusados, onde confirmaram a existência das supostas escutas ilegais.
No relatório que pediu seu indiciamento, a PF aponta como figura central desse suposto plano o presidente da empreiteira, Marcelo Bahia Odebrecht – preso desde o início de julho.
O delegado Eduardo Mauat da Silva chama a atenção para as anotações do empresário feitas após sua prisão, que registram “trabalhar para anular (dissidentes PF…)”.
“Uma referência clara à Polícia Federal, ou pelo menos a alguns de seus servidores”, informa o delegado. “Marcelo teria a intenção de usar os ‘dissidentes’ para de alguma forma atrapalhar o andamento das investigações, e, se levarmos em consideração as matérias (grampo na cela, descoberta de escuta, vazamento de gás, dossiês) veiculadas nos vários meios de comunicação, nos últimos meses, que versam sobre uma possível crise dentro do Departamento de Polícia Federal, poder-se-ia, hipoteticamente, concluir que tal plano já estaria em andamento.”
Os policiais federais Fanton e Werlang não foram localizados pela reportagem para comentar o caso. A Odebrecht nega que tenha adotado medidas para atrapalhar as apurações da Lava Jato.
Fonte: Estadão/Blogs Fausto Macedo
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