Na madrugada do dia 27 de julho, Michael Richter acordou com um estrondo do lado de fora de casa. O carro dele estava em chamas. Para Richter, membro do partido de esquerda Die Linke, o ataque foi uma represália ao apoio dado, por ele e pela legenda, à vinda dos refugiados.
“Eu recebi ameaças de morte”, disse ele. “Mas vou continuar meu trabalho, porque é exatamente isso que os extremistas de direita querem: nos amedrontar. E esse medo não pode prevalecer.”
De janeiro a junho deste ano, foram 202 ataques a abrigos para refugiados, com alguns prédios parcialmente incendiados, principalmente no Leste da Alemanha, segundo os últimos dados do Ministério do Interior. O número já supera os 198 incidentes que ocorreram em todo o ano de 2014.
Em visita esta semana a um abrigo em Eisenhuettenstadt, no extremo Leste, o ministro do Interior, Thomas de Maiziere, disse que a situação de intolerância é “incompreensível, inaceitável e indigna” para o país. “Nós vamos trabalhar contra isso com toda a força da lei e do poder político que temos”, afirmou o ministro.
O fluxo migratório é intenso nas fronteiras. Nos seis primeiros meses do ano, as autoridades alemãs receberam quase 180 mil pedidos de asilo. Já é mais que o dobro do número atingido no mesmo período do ano passado. A estimativa da Agência Federal para Migração e Refugiados é que as solicitações cheguem a 450 mil até o final do ano.
Os recentes incidentes xenófobos remetem também à ascensão, em outubro passado, do movimento de extrema direita Pegida, contra imigrantes, sobretudo muçulmanos. Em Dresden, cidade onde surgiu o movimento, milhares de simpatizantes foram às ruas, e o Pegida chegou a outras partes da Alemanha e também da Europa, como a França.
Mas as ruas também foram palco de marchas contra a xenofobia. Na cidade de Mannheim, no Oeste do país, ativistas lançaram, em Janeiro, o movimento Mannheim Diz Sim. Além de manifestações pró-asilo e anti-Pegida, eles criaram uma página na internet que permite deixar mensagens de solidariedade aos refugiados. Nessa e em várias outras cidades alemãs, a população quis mostrar que imigrantes são bem-vindos.
Discriminação
A Alemanha tem, na verdade, uma longa tradição de receber refugiados, em parte como resposta ao passado de perseguição nazista. Com o fim da 2ª Guerra Mundial, o país abrigou milhões de desalojados e refugiados do Leste europeu. Depois do início dos anos 1990, a lei de asilo foi endurecida, mas a Alemanha continua sendo o Estado-Membro da União Europeia que mais recebe pedidos de refúgio – em 2014, foram quase 203 mil solicitações, que corresponderam a 32.36% do total.
Mas, episódios de violência também fazem parte da história. Há cerca de 20 anos, o país enfrentou situação semelhante, quando casas e abrigos foram incendiados, resultando em mortes num momento de grande fluxo nas fronteiras. Para a especialista em história da migração Maria Alexopoulou, professora da Universidade de Mannheim, atualmente existe mais apoio aos refugiados do que duas décadas atrás.
Ela acredita, contudo, que a xenofobia continuará tendo espaço enquanto o país mantiver uma postura histórica de não integrar totalmente os imigrantes, apesar de ter recrutado tantos deles – sobretudo turcos – para reconstruir a nação após as duas guerras mundiais.
“Muitas pessoas ainda são indiferentes ao passado e ao que está acontecendo”, diz Alexopoulou. “E ainda existe esse pensamento racista, que está nas estruturas da sociedade alemã e se mostra quando olhamos para como os imigrantes são discriminados aqui, estruturalmente e no dia a dia”, completa a especialista, filha de gregos, mas, nascida na Alemanha.
Aqueles que atualmente fogem de situações de guerra ou de extrema pobreza, como as populações do Oriente Médio e do Oeste da África, se conseguirem asilo, ainda terão o desafio de se estabilizar numa Alemanha reconhecida como país não migratório. “Não somos um país de imigração”, destaca a especialista.
Mas projetos como o Arrivo Berlin, desenvolvido na capital, oferecem uma chance. Os refugiados recebem ajuda para aprender o idioma e entrar para o mercado de trabalho. A iniciativa é reconhecida como um exemplo na Europa, diante de políticas focadas no controle das fronteiras, e que não têm conseguido lidar com a questão migratória.
“As pessoas que vêm aqui às vezes têm anos de experiência e têm grande motivação para serem integradas e darem uma contribuição”, diz Anton Schuenemann, coordenador do programa. Tahir Mohammad, que veio do Chade, na África, vê nos cursos uma chance real de conseguir um emprego. “Não é fácil, mas eu quero aprender. E seguir em frente.”
Fonte: Agência Brasil
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