Em meio ao agravamento da crise econômica e social na Venezuela, com um recém-implementado estado de exceção pelo governo Nicolás Maduro e a oposição pressionando pela realização de um referendo revogatório contra o presidente, a possibilidade de um levante militar "está no ambiente", diz o líder opositor e ex-candidato presidencial Henrique Capriles.
Em entrevista à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, Capriles disse que as Forças Armadas do país estão divididas entre uma "cúpula corrupta" que defende o chavismo e uma base "afetada pela pior crise econômica de nossa história".
O líder de oposição diz não defender um levante militar, mas diz que a possibilidade existe caso essa divisão que diz ver dentro das instituições militares se aprofunde.
"Não quero dizer se tem alta ou pouca possibilidade. Mas está no ambiente", diz o político, que governa o Estado de Miranda e perdeu as eleições presidenciais para Hugo Chávez em 2012 e para Nicolás Maduro no ano seguinte.
A Venezuela foi cenário nesta semana de tensas manifestações opositoras, que pressionam o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) para não impedir a organização, ainda neste ano, de um referendo revogatório contra Maduro.
A coalizão de oposição MUD (Mesa da Unidade Democrática), de Capriles, entregou 1,8 milhão de assinaturas neste mês ao CNE para começar o processo. A lei venezuelana exige 200 mil assinaturas (1% dos eleitores) para começar o trâmite, e a oposição acusa o CNE de atrasar a verificação dos registros.
"Temos que obrigar essas instituições (CNE e Tribunal Supremo de Justiça) a respeitar a Constituição. Há aguns meses o referendo tinha 40% de apoio (popular). Agora tem 70%. Se o governo tranca a via democrática com esse controle institucional, o que vai acontecer? Parece que um cenário de violência", afirmou Capriles, para quem "trancar a via democrática é jogar gasolina no fogo".
Em caso de uma eventual consulta popular, a revogação do mandato precisaria ser aprovada por número de eleitores maior do que os 7,5 milhões de votos obtidos por Maduro em 2013.
O mandato do presidente vai até janeiro de 2019 - caso ele seja afastado até o começo de 2017, haveria uma nova eleição; caso contrário, o vice-presidente assumiria até o final do exercício.
Caos econômico
A grave situação econômica na Venezuela inflama o clima na política e nas ruas: o PIB do país deve recuar 8% em 2016, e a inflação, atingir 720%. O país sofre com a queda no preço do petróleo, que representa mais de 95% das receitas do governo.
Outra fonte de tensão é o decreto de Maduro que, na semana passada, impôs por 60 dias um estado de exceção e emergência econômica no país. Tomada sob justificativa de enfrentar "ameaças internas e externas", a medida dá poder de polícia a conselhos locais e fortalece o poder dos militares sobre a distribuição de alimentos.
Ocorre que, por lei, o estado de exceção deveria ser referendado pela Assembleia Nacional, controlada pela oposição, e pelo Supremo Tribunal do país. A alta corte respaldou a medida, mas o Parlamento a rechaçou.
"Se Maduro pretende ignorar a decisão da Assembleia e pretende ditar leis, todas essas leis são inconstitucionais. E Maduro passa a ser um governo autoritário e começa a governar à margem da Constituição", disse Capriles à BBC.
Para o opositor, o presidente se comporta como um "ditadorzinho" e caberá às Forças Armadas impedir que seu governo se torne um regime autoritário.
"As Forças Armadas são a garantia da Constituição. Nesse cenário elas têm que decidir: estão com a Constituição ou com Maduro. Se Maduro ordenar a tomada de uma fábrica pela força (prevista no estado de exceção), as Forças Armadas terão que tomar uma decisão se seguem Maduro ou dizem: 'Nós não vamos acatar ordens que estejam à margem da Constituição'."
Papel da oposição
Sobre o fato de muitas das manifestações atuais na Venezuela serem espontâneas, sem orientação política, Capriles reconhece que a oposição "não está articulada" e que o desafio é "que o protesto na rua se converta em uma exigência do referendo".
"Quem deve canalizar (essa demanda política)? Nós, para que (os protestos) não acabem se tornando um assunto de acumulação de frustração."
Ele diz não acreditar que protestos de rua possam ter uma escalada de violência, pois identifica uma "mudança considerável" de atitude na polícia e demais forças de segurança, que para ele estariam menos propensas a reprimir esses atos. "Os funcionários estão afetados pela crise e há uma mudança de atitude."
E afirma que a demanda da oposição é constitucional e pacífica.
"Não estou saindo à rua para ver se o governo cai, se Maduro renuncia. Estou saindo para pedir que respeitem a Constituição. E que o Conselho Nacional Eleitoral me permita validar uma assinatura."
E o que passa pela cabeça de Maduro na opinião do líder opositor?
"Ele vive o dia a dia. O que quer é que os dias passem para evitar o referendo. Levanta-se pela manhã, passa a tarde e a noite pensando no que pode fazer para impedir o referendo. Como engana as pessoas, como cria conflitos internacionais fictícios."
Fonte: BBC.
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