Mateus 24:6: E ouvireis de guerras e de rumores de guerrasMateus 24:6
Por mais que tentem explicar que a batalha de Dabiq ainda vem aí, a verdade é que foram expostos à pior arma de destruição moral que pode haver: o ridículo.
Enquanto se prepara para o fim-de-semana, aqui está a notícia mais importante que lhe poderá ter escapado: o mundo não acabou no fim-de-semana passado. E porque é isso importante? Porque segundo os doutrinários do Estado Islâmico é o que deveria ter acontecido.
A história é mais séria do que parece: no Norte da Síria, junto à fronteira com a Turquia e a quarenta quilômetros de Alepo, há uma cidadezinha de menos de cinco mil habitantes. Dabiq é o seu nome. Dabiq não tem importância econômica nem estratégica nem militar. Mas Dabiq tem importância teológica: segundo uma tradição que remonta a algo que um companheiro de Maomé teria ouvido do profeta, é em Dabiq que ocorrerá a grande batalha no apocalipse entre os fiéis muçulmanos e os “romanos” (ou cristãos) por que o Estado Islâmico tanto anseia. Dabiq foi o nome que o Estado Islâmico escolheu para o seu órgão oficial, e nele as referências à grande batalha que desencadearia o fim do mundo com a inevitável vitória dos muçulmanos eram centrais para a mobilização dos seus soldados.
Ora, Dabiq foi tomada no passado domingo pelos rebeldes anti-Assad. Apressadamente, o Estado Islâmico teve de vir declarar que a batalha de Dabiq em que foi derrotado no domingo não é “A” Batalha de Dabiq do fim do mundo. Essa será mais tarde. E mais espetacular. Mas como, não explicam.
É difícil fazer de historiador das religiões com o Estado Islâmico. Os seus teólogos têm tendência para pegar nas tradições corânicas que lhes dão mais jeito e esquecer as outras. Na própria lenda de Dabiq ignoram convenientemente que Cristo deveria reaparecer durante a batalha para lutar ao lado dos muçulmanos e derrotar os falsos cristãos “romanos” para depois governar durante um milênio. Pois, é complicado: as tradições milenaristas, como são conhecidas pelos especialistas, são partilhadas e remisturadas por judeus, cristãos e muçulmanos. A interpretação delas presta-se à manipulação por oportunistas. Mas há duas coisas inegáveis. A primeira é que o Estado Islâmico usou o mito de Dabiq para conquistar uma parte dos seus seguidores, que assim julgavam ter um bilhete rápido para a vida eterna do lado dos vencedores. A segunda é que não pode deixar de ter um efeito desmoralizador para essa gente verem o Estado Islâmico desmascarado pela realidade.
Muitas seitas e religiões falharam previsões para o fim do mundo e passaram pelo mesmo que o Estado Islâmico está a passar. Umas ficam ainda mais perigosas e lançam-se numa orgia de destruição final. É o que temo que aconteça ao Estado Islâmico, principalmente quando está em vias de perder Mosul que, ao contrário de Dabiq, tem dois milhões e meio de habitantes e uma importância estratégica inegável. Outras perdem a maior parte dos seus seguidores e apenas uma minoria fica com a ingrata tarefa de inventar novas datas e novos lugares para o fim do mundo, explicar as razões do engano e convencer os céticos a não abandonarem o barco. Outras ainda integram o erro, seguem em frente e normalizam-se, mas este é um caminho inacessível para o Estado Islâmico. Por mais que tentem explicar que a batalha de Dabiq ainda vem aí, a verdade é que foram expostos à pior arma de destruição moral que pode haver: o ridículo.
Para todos nós, fica a consolação de que não houve fim do mundo. A partir de agora, prioridade à preocupação com o fim do mês.
Fonte: Público.
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