14 de fevereiro de 2016

Noticia: Ofensiva militar do regime do Sudão ameaça desastre humanitário

"E ouvireis de guerras e de rumores de guerras;..." Mateus 24:6
Darfur pode ter saído das manchetes internacionais, mas isso não quer dizer que a região esteja gozando a paz. Longe disso. Uma nova escalada de violência pelo governo sudanês contra grupos étnicos não árabes ameaça agravar um desastre humanitário que, segundo estimativas da ONU, nos últimos 13 anos deslocou mais de 2,7 milhões de pessoas em Darfur e enviou mais 380 mil refugiados para o leste do Chade.

Darfur tornou-se novamente um foco porque o regime de Cartum está desesperado para eliminar uma das três rebeliões ativas no país, conflitos que deixaram seus militares desgastados, enquanto a queda da economia causa inquietação civil.

Uma campanha realizada pelas forças do governo, mais uma vez trabalhando em conjunto com milícias árabes, avançou para oeste, do norte de Darfur para o estratégico maciço de Jebel Marra. O ataque aos rebeldes de Darfur começou para valer em meados de janeiro, e há relatos de que envolve tanques, artilharia e bombardeios aéreos --estes muitas vezes imprecisos e resultando em fortes baixas civis, na maioria de agricultores africanos e suas famílias.

A ONU calcula que nos primeiros dez dias do atual ataque mais 34 mil pessoas foram desalojadas, principalmente mulheres e crianças. Esta é provavelmente uma estimativa por baixo, mas é difícil encontrar números precisos, em parte porque o Sudão há muito tempo excluiu jornalistas e profissionais de ajuda da maior parte de Jebel Marra.

O caminho para os acampamentos de pessoas deslocadas é longo e árduo, e esses refugiados são vulneráveis a ataques de forças pró-governo. Os próprios campos estão ameaçados, e foram atacados com maior frequência e violência nos últimos anos. O segundo vice-presidente do Sudão, Hassabo Abdelrahman, declarou recentemente que "2016 verá o fim do deslocamento em Darfur", comentário considerados por muitos como uma ameaça de desmontar os campos de refugiados.

Darfur foi reconhecido amplamente como o primeiro genocídio do século 21. Em 2006, Samantha Power, hoje embaixadora dos EUA na ONU, o descreveu dessa maneira; em 2007, Susan E. Rice, atualmente assessora de Segurança Nacional do presidente Obama, fez o mesmo.

Apesar desse reconhecimento, a missão de paz conjunta ONU-União Africana destacada para Darfur em 2008 falhou em conter o programa de limpeza étnica do regime, que inclui estupros dirigidos. Nos últimos oito anos, mais de 2 milhões de civis foram deslocados. O sofrimento do povo de Darfur não diminuiu, mas a preocupação da comunidade internacional, aparentemente sim.

Chefe do regime há mais de 25 anos, o presidente Omar Hassan al-Bashir foi acusado pelo TPI (Tribunal Penal Internacional) em diversos casos de genocídio e crimes contra a humanidade em Darfur. Mas parece improvável que o mandado de prisão do tribunal seja cumprido. Sanções econômicas internacionais contra o Sudão foram esparsas e parciais para causar resultados.

Na ausência de uma ação eficaz, as terras agrícolas de propriedade de africanos continuam sendo ocupadas por árabes. As plantações são destruídas e os agricultores africanos, espancados, sequestrados e assassinados por milícias e colonos árabes.

E as coisas poderão piorar se a ofensiva de Jebel Marra não for contida, o que exigirá que a comunidade internacional aja de maneira coordenada. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, foi demasiado passivo sobre Darfur; ele deveria levar a nova ofensiva de Cartum ao Conselho de Segurança.

Certamente a Rússia e a China poderão bloquear a ação; ambas têm negócios de armas com o Sudão, e a China investiu pesado lá, especialmente na indústria de petróleo. Mas Ban poderia pelo menos forçar uma discussão nesse fórum e salientar as resoluções do Conselho de Segurança que Cartum infringiu.

A União Africana também foi muito benigna com o regime sudanês. Seu Conselho de Paz e Segurança precisa se manifestar sobre a ação militar em Jebel Marra e aplicar uma proibição continental de viagens às autoridades responsáveis.

Os europeus também foram tolerantes demais com o comportamento do Sudão em Darfur; vários países --incluindo Suécia, França e Alemanha-- permitiram negócios e laços comerciais com Cartum, apesar das atrocidades. A UE deveria ameaçar sanções econômicas e financeiras como as que foram impostas pelos EUA. Para as empresas que querem acessar o sistema financeiro americano, essas sanções mostraram-se poderosos dissuasores da ajuda a Cartum. Em 2014, o banco francês gigante BNP Paribas foi multado em cerca de US$ 9 bilhões por violar as sanções americanas.

O Sudão contraiu pelo menos US$ 46 bilhões em dívida externa, grande parte em aquisições militares. Ele não consegue pagar nem o serviço dessa dívida, nas mãos de credores principalmente do Clube de Paris, grupo que inclui muitos países europeus. No mínimo, a Europa deveria declarar que as discussões sobre o alívio da dívida estarão mortas se a ofensiva em Jebel Marra continuar. Os EUA deveriam usar sua influência como membro do Clube de Paris para pressionar os europeus a tomar medidas sérias sobre Darfur.

Em 2010, uma autoridade do Departamento de Estado falou em "desmembrar" Darfur do que Washington considerava uma questão bilateral com Cartum: inteligência contraterrorista. A proposta era o levantamento das sanções em troca de cooperação em informações sobre os jihadistas. O governo americano deveria descartar qualquer barganha semelhante a menos que haja um fim imediato da ofensiva.

Cartum tem um ouvido agudo para conversa fiada. As palavras que Bashir e seus aliados ouvem da comunidade internacional devem ter consequências reais, ou não poderão evitar um novo capítulo da tragédia em Darfur.

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Fonte: The New York Times.

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