Darfur tornou-se novamente um foco porque o regime de Cartum está desesperado para eliminar uma das três rebeliões ativas no país, conflitos que deixaram seus militares desgastados, enquanto a queda da economia causa inquietação civil.
Uma campanha realizada pelas forças do governo, mais uma vez trabalhando em conjunto com milícias árabes, avançou para oeste, do norte de Darfur para o estratégico maciço de Jebel Marra. O ataque aos rebeldes de Darfur começou para valer em meados de janeiro, e há relatos de que envolve tanques, artilharia e bombardeios aéreos --estes muitas vezes imprecisos e resultando em fortes baixas civis, na maioria de agricultores africanos e suas famílias.
A ONU calcula que nos primeiros dez dias do atual ataque mais 34 mil pessoas foram desalojadas, principalmente mulheres e crianças. Esta é provavelmente uma estimativa por baixo, mas é difícil encontrar números precisos, em parte porque o Sudão há muito tempo excluiu jornalistas e profissionais de ajuda da maior parte de Jebel Marra.
O caminho para os acampamentos de pessoas deslocadas é longo e árduo, e esses refugiados são vulneráveis a ataques de forças pró-governo. Os próprios campos estão ameaçados, e foram atacados com maior frequência e violência nos últimos anos. O segundo vice-presidente do Sudão, Hassabo Abdelrahman, declarou recentemente que "2016 verá o fim do deslocamento em Darfur", comentário considerados por muitos como uma ameaça de desmontar os campos de refugiados.
Darfur foi reconhecido amplamente como o primeiro genocídio do século 21. Em 2006, Samantha Power, hoje embaixadora dos EUA na ONU, o descreveu dessa maneira; em 2007, Susan E. Rice, atualmente assessora de Segurança Nacional do presidente Obama, fez o mesmo.
Apesar desse reconhecimento, a missão de paz conjunta ONU-União Africana destacada para Darfur em 2008 falhou em conter o programa de limpeza étnica do regime, que inclui estupros dirigidos. Nos últimos oito anos, mais de 2 milhões de civis foram deslocados. O sofrimento do povo de Darfur não diminuiu, mas a preocupação da comunidade internacional, aparentemente sim.
Chefe do regime há mais de 25 anos, o presidente Omar Hassan al-Bashir foi acusado pelo TPI (Tribunal Penal Internacional) em diversos casos de genocídio e crimes contra a humanidade em Darfur. Mas parece improvável que o mandado de prisão do tribunal seja cumprido. Sanções econômicas internacionais contra o Sudão foram esparsas e parciais para causar resultados.
Na ausência de uma ação eficaz, as terras agrícolas de propriedade de africanos continuam sendo ocupadas por árabes. As plantações são destruídas e os agricultores africanos, espancados, sequestrados e assassinados por milícias e colonos árabes.
E as coisas poderão piorar se a ofensiva de Jebel Marra não for contida, o que exigirá que a comunidade internacional aja de maneira coordenada. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, foi demasiado passivo sobre Darfur; ele deveria levar a nova ofensiva de Cartum ao Conselho de Segurança.
Certamente a Rússia e a China poderão bloquear a ação; ambas têm negócios de armas com o Sudão, e a China investiu pesado lá, especialmente na indústria de petróleo. Mas Ban poderia pelo menos forçar uma discussão nesse fórum e salientar as resoluções do Conselho de Segurança que Cartum infringiu.
A União Africana também foi muito benigna com o regime sudanês. Seu Conselho de Paz e Segurança precisa se manifestar sobre a ação militar em Jebel Marra e aplicar uma proibição continental de viagens às autoridades responsáveis.
Os europeus também foram tolerantes demais com o comportamento do Sudão em Darfur; vários países --incluindo Suécia, França e Alemanha-- permitiram negócios e laços comerciais com Cartum, apesar das atrocidades. A UE deveria ameaçar sanções econômicas e financeiras como as que foram impostas pelos EUA. Para as empresas que querem acessar o sistema financeiro americano, essas sanções mostraram-se poderosos dissuasores da ajuda a Cartum. Em 2014, o banco francês gigante BNP Paribas foi multado em cerca de US$ 9 bilhões por violar as sanções americanas.
O Sudão contraiu pelo menos US$ 46 bilhões em dívida externa, grande parte em aquisições militares. Ele não consegue pagar nem o serviço dessa dívida, nas mãos de credores principalmente do Clube de Paris, grupo que inclui muitos países europeus. No mínimo, a Europa deveria declarar que as discussões sobre o alívio da dívida estarão mortas se a ofensiva em Jebel Marra continuar. Os EUA deveriam usar sua influência como membro do Clube de Paris para pressionar os europeus a tomar medidas sérias sobre Darfur.
Em 2010, uma autoridade do Departamento de Estado falou em "desmembrar" Darfur do que Washington considerava uma questão bilateral com Cartum: inteligência contraterrorista. A proposta era o levantamento das sanções em troca de cooperação em informações sobre os jihadistas. O governo americano deveria descartar qualquer barganha semelhante a menos que haja um fim imediato da ofensiva.
Cartum tem um ouvido agudo para conversa fiada. As palavras que Bashir e seus aliados ouvem da comunidade internacional devem ter consequências reais, ou não poderão evitar um novo capítulo da tragédia em Darfur.
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Fonte: The New York Times.
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