O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ingressou nesta segunda-feira (1º) com embargos de declaração no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a recente decisão da corte que disciplinou o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Em tom duro, o deputado afirma que os fundamentos adotados pelo Supremo são “contraditórios” e que o recurso decorre da “indevida interferência” da corte em assuntos internos do Parlamento.
No documento, Cunha questiona os três principais pontos da decisão tomada pelo supremo no último dia 17 de dezembro, quando jogou ao Senado a palavra final sobre o impeachment e determinou que à Câmara cabe apenas analisar a admissibilidade do pedido de deposição. O Supremo também derrubou a chapa avulsa criada para disputar a eleição para a comissão especial que dá parecer prévio na Câmara ao impedimento de Dilma e a impossibilidade de eleição do colegiado se dar em voto aberto.
A ação foi apresentada antes mesmo da publicação do acórdão, que traz a íntegra da decisão e é justamente considerado o trâmite necessário para a formalização de recursos. No fim do ano passado, Cunha pediu ao presidente do supremo, ministro Ricardo Lewandowski, celeridade na análise dos embargos e afirmou que ingressaria com a ação antes do acórdão. Ouviu dele, no entanto, que o recurso poderia ser considerado intempestivo e que ministros da corte poderiam ver a antecipação como uma “futurologia”.
O documento, assinado pelos advogados da Câmara Renato Oliveira Ramos e Marcelo Ribeiro do Val, fez questão de destacar jurisprudência da corte que passou a considerar válidos recursos interpostos antes da publicação da decisão desde que a parte tenha conhecimento de seus fundamentos e que o recurso apresentado tenha pertinência temática com o que restou decidido. “É importante registrar que a interposição desde logo dos embargos de declaração se justifica porque a matéria decidida é inédita, relevantíssima do ponto de vista institucional e acarretou uma guinada na jurisprudência dessa Corte quanto à intervenção em matéria interna corporis de outro Poder da República”.
Os juristas atacam diretamente o ministro Roberto Barroso, que, em voto, emplacou as teses vencedoras na corte. No embargo, eles chamam a solução do ministro, que vetou a existência de uma chapa avulsa para formação da Comissão Especial que avaliará o pedido de impeachment, de “inusitada”, destacam que a comissão do não pode ser equiparada a qualquer outro colegiado da Câmara e que o grupo deve retratar o sentimento geral da Casa e não de “um ou outro líder partidário”. Com a impossibilidade de chapa avulsa, diz o texto, “há o risco de sucessivas deliberações do plenário denegatórias das indicações feitas pelos líderes, inviabilizando a formação da comissão”.
O texto cita uma referência de Barroso ao dicionário Aurélio para justificar a interpretação de eleição como “escolha”. “Desconsiderou, todavia, que ‘escolher’ nada mais é do que ‘eleger’, o que não se confunde com ‘indicação’, e que o Dicionário Jurídico, mais apropriado para essas questões jurídicas, apresenta como significado para ‘eleição’ a expressão ‘sufrágio’, que significa o direito de votar e ser votado”. E prossegue: “Se a lei fala em Comissão eleita, é de ‘eleição’ de que se cuida, e não de indicação'”. Sobre a alegação de que no julgamento do impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello não houve chapa avulsa, o documento reconhece que sim, mas lembra que isso não significa que a existência da chapa tenha sido vetada.
Cunha pretende deixar a Câmara paralisada até que o Supremo delibere sobre os embargos. A intenção está expressa também no recurso, que afirma que, ao aplicar, na decisão, o recurso interno da Casa com “dispositivos regimentais absolutamente inaplicáveis”, o Supremo acabou por acarretar “uma decisão para lá de salomônica, criando uma verdadeira celeuma aos próximos passos do impeachment, e no próprio funcionamento da Câmara, sem contar que impediu o livre exercício do parlamento e de seus membros, incorrendo em indevida intervenção em assuntos internos do Poder Legislativo”.
O documento também serve como uma auto-defesa de Cunha, que busca se afastar do rito do processo de impeachment adotado por ele e ressalta que o trâmite foi estabelecido entre os líderes partidários. “Estes embargos, é bom que se diga, não interessam pessoalmente ao atual presidente da Câmara ou a esta ou aquela força política. Cuida-se, sem dúvida alguma, de questão institucional das mais graves, envolvendo o prestígio e as prerrogativas de um dos poderes da República, incluindo a defesa da liberdade da Câmara dos Deputados em praticar seus atos internos. Ora, não se pode considerar que as pessoas passam, mas as instituições ficam”, diz a ação.
Sobre a obrigatoriedade do voto aberto para escolha da comissão, os advogados da Câmara afirmam que, ao contrário do que disse Barroso, a decisão pelo voto fechado não foi tomada monocraticamente por Cunha, mas pelo Colégio de Líderes. “A controvérsia é tão sensível do ponto de vista interpretativo que a existência de 5 votos em sentido contrário à tese defendida pela maioria dessa corte já tem o condão de demonstrar que a decisão tomada não foi de forma alguma por vontade unipessoal pura e simples, sem autorização constitucional, sem autorização legal, sem autorização regimental, como bradou o voto vencedor”.
“A Comissão Especial do impeachment não se constitui como uma comissão qualquer, corriqueira. Trata-se da comissão mais importante que a Câmara dos Deputados pode instaurar. Na democracia, é a segunda vez que uma comissão dessa natureza será instaurada. Daí a razão para que sua composição seja formada decorrente de uma ‘eleição’, por escrutínio fechado, preservando a escolha dos ‘votantes’. Os parlamentares eleitos terão uma função relevantíssima, porque representarão a própria instituição parlamentar”, diz o texto.
Sobre o papel do Senado, o documento aponta um vício ‘gravíssimo’ no voto vencedor. Aponta que no julgamento sobre o rito de impeachment de Collor, o STF não teria entendido que caberia ao Senado instaurar ou não o processo. “A premissa adotada pelo voto vencedor é absolutamente errônea”. Ao admitir que, em sessão administrativa, o STF delegou essa competência ao Senado, o texto afirma que o rito não foi submetido ao contraditório, e por isso não pode prevalecer.
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Fonte: Veja
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