"...e grandes sinais do céu." Lucas 21:11
Onde antes havia gado, plantações de milho e arroz, só resta uma faixa de terra. Ilhota de Jean Charles, em Louisiana, está sendo engolida pela erosão e a elevação do nível do mar. Para moradores, só resta a realocação.
"Quando, era criança, eu ficava na varanda da casa dos meus pais, tinha muitas árvores em volta. Com os meus primos, eu jogava beisebol ou futebol nas florestas", recorda Wenceslaus Billliot. "Hoje, da varanda não vejo nada além de água."
Hoje com 64 anos, ele nasceu e cresceu na Isle de Jean Charles, uma ilhota na pantanosa região costeira do estado americano de Louisiana. Sua família vive aqui há oito gerações. Como a maioria dos moradores, ele é membro dos Biloxi-Chitimacha-Choctaw, uma tribo indígena que habita o local desde o início do século 19.
Em meados da década de 1970, cerca de 100 famílias lá viviam. Atualmente são só 27, pois a ilha submerge gradativamente no mar. De 1955 para cá, ela perdeu cerca de 98% de sua superfície. A cada hora o mar engole mais terra, quase o equivalente a um campo de futebol.
Wenceslaus presenciou o desaparecimento de sua terra natal: uma sensação horrível, mas "não podemos fazer nada", ele reconhece.
Sal que mata
Por anos a fio, a indústria do petróleo atravessou os pântanos próximos ao mar com quilômetros de canais. A água salgada penetrou na bacia, com forte impacto sobre a natureza. O sal mata plantas e árvores, e "como as raízes não retêm mais a terra, ocorre o desgaste da costa", explica Kristina Peterson, cientista do Lowlander Center.
Sem as florestas, as ilhas ficaram indefesas diante da erosão e das tempestades frequentes. E agora as mudanças climáticas globais dão o golpe de misericórdia na ilha. Pois o aquecimento do planeta faz também o Golfo do México se expandir cada vez mais. A água marinha sobe e inunda os grupos de ilhas nos pântanos do estado no sudeste dos Estados Unidos.
Os efeitos sobre a Isle de Jean Charles foram drásticos. "Agora a ilha é só uma faixa estreita. Nós tínhamos gado, plantávamos milho, arroz e vários tipos de feijão. Isso tudo não cresce mais aqui", relata Wenceslaus. Por várias vezes os habitantes tentaram cultivar cereais ou plantar ciprestes a fim de reforçar o litoral, mas a água salgada frustrou todas as tentativas.
Ação insuficiente e atrasada
Muitos já desistiram de viver na região. Wenceslaus a deixou em 1985 com a família, depois que um furacão destruiu sua casa. "Não quisemos reconstruir, para perder tudo de novo na próxima tempestade." Agora eles vivem em Houma, a 40 quilômetros.
A filha, Chantel Comardelle, tinha quatro anos de idade na época da mudança, e cresceu em terra firme. Mas visita a ilha com frequência, pois seus avós decidiram permanecer enquanto for possível, e ainda vivem na antiga casa da família. No entanto, a viagem para visitar os parentes fica cada vez mais penosa.
"Alguns dias atrás, nós queríamos ir de carro até lá, mas a estrada até a ilha estava completamente alagada", conta Chantel. Com duas pistas e pouco mais de três quilômetros de extensão, essa é a única via que leva até a ilhota. A água marinha chega até as margens da estrada.
O caminho de carro da Isle de Jean Charles até Houma ou Point aux Chenes, as duas cidades mais próximas, leva entre 20 e 40 minutos. Os moradores têm que fazer esse trajeto diariamente - até a escola, a igreja ou o mercado -, se a estrada não está inundada.
Em 2011, o estado de Louisiana mandou consertá-la e construir barreiras nas laterais. Medidas insuficientes, segundo Wenceslaus: "O Estado não quer investir nada para salvar a ilha. Além disso, eles precisavam já ter começado anos atrás."
Realocação prometida
Para os habitantes de Jean Charles, a única solução é a realocação. Em colaboração com o Lowlander Center, nos últimos anos eles desenvolveram um projeto de construção. Está prometida uma área de 500 hectares no norte de Houma, o suficiente para acolher 100 famílias, inclusive os moradores que já abandonaram a ilhota e agora vivem espalhados em terra firme.
A iniciativa visa a sobrevivência não só dos moradores, mas também da cultura tribal. Em janeiro de 2016, Louisiana prometeu cerca de 50 milhões de dólares aos organizadores do projeto, e a realocação está programada para começar em 2022. Para Wenceslaus Billiot, a espera é demais.
Em meados de maio, líderes dos Biloxi-Chitimacha-Choctaw encontram-se na Casa Branca com responsáveis do governo americano para chamar a atenção para a própria condição. "Dá medo, ficamos preocupados com nossas famílias e lutamos por apoio. O Estado poderia cooperar mais conosco, eles trabalham devagar demais", critica Chantel Comardelle.
Tarde demais
O novo Acordo do Clima, que também os Estados Unidos assinaram em abril último, em Nova York, chega tarde demais para a Isle de Jean Charles.
"Há lugares no mundo que não podem ser salvos, que, apesar dos novos acordos, vão se tornar vítimas das mudanças climáticas", admite Kristina Peterson, que há anos trabalha para ajudar os insulanos. "Temos que viver com isso. A única coisa que podemos fazer é reconstituir as comunidades."
Wenceslaus ainda espera que o destino dos habitantes de Jean Charles desperte suficiente atenção, a fim de que no futuro outros territórios ameaçados e seus moradores possam ser protegidos a tempo.
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Fonte: DW.
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