Hemocentros têm permissão legal para rejeitar doação de ‘homens que transaram com homens’
O Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar nesta quinta-feira (19) normas da Anvisa e do Ministério da Saúde que autorizam hemocentros de todo o país a rejeitar doações de homens gays sexualmente ativos. Pelas regras vigentes, eles só podem doar sangue se ficarem 12 meses sem relações sexuais.
As normas consideram que a população gay é “grupo de risco” para a transmissão de vírus como o HIV, e doenças como as hepatites B e C. Até a publicação desta reportagem pelo ‘G1′, o tema era o segundo item previsto na pauta do Supremo.
A ação direta de inconstitucionalidade que pede a suspensão imediata dessas regras foi apresentada em 2016 pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). No texto, quatro advogados da legenda argumentam que as normas “escancaram absurdo tratamento discriminatório” em razão da orientação sexual dos candidatos.
O Ministério da Saúde informou ao ‘G1′ que os critérios de aptidão para doação de sangue baseiam-se na “proteção dos receptores” e “no perfil epidemiológico dos grupos e situações”.
Segundo a pasta, a norma atende recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e fundamenta-se em dados epidemiológicos “presentes na literatura médica e científica nacional e internacional, não tendo relação com preconceito do Poder Público ou que leve em consideração a orientação sexual do candidato”.
O ‘G1′ aguardava posicionamento da Anvisa até a publicação desta reportagem.
O diretor executivo da Fundação Hemocentro de Brasília e hematologista, Jorge Pinto Neto, disse que a entrevista dos candidatos à doação de sangue é feita com base em recomendações das normativas, mas não abordam preferências sexuais.
“Em momento algum é feita pergunta direcionada à escolha (sexual) ou como a pessoa conduz a vida. A pergunta busca identificar comportamentos para os quais é atribuído maior risco de contaminação, especialmente por HIV e hepatites B e C”, afirmou.
Transmissão de doença
A primeira norma brasileira que proibiu a doação de sangue por homens gays foi publicada em 1993, quando ainda pairava sob o imaginário coletivo a falsa relação causal da Aids com a homossexualidade. A doença, transmitida pelo vírus HIV, foi descoberta no final da década de 1970 e, por desconhecimento científico, batizada de “Imunodeficiência Gay”.
O advogado Rafael Carneiro, que fará a sustentação oral no STF a favor da liberação, conversou com o ‘G1′ e afirma que as normas da Anvisa e do Ministério da Saúde contribuem para reforçar esse estigma e ainda prejudicam o debate e o aperfeiçoamento de políticas públicas que deveriam ser destinadas a todos – sem distinção.
De acordo com o Ministério da Saúde, dados nacionais apontam que a Aids – doença provocada pela manifestação do vírus HIV – tem “maior prevalência de infecção” em populações de maior vulnerabilidade, como “homens que fazem sexo com homens”, na terminologia da pasta.
O Boletim Epidemiológico de 2016 mostra que, de janeiro de 2007 a junho do ano passado, foram registrados 36,6 mil casos de homossexuais soropositivos para o HIV. Os heterossexuais contaminados pelo vírus correspondem a 29,8 mil.
Contrário à visão apresentada pelo ministério, que correlaciona a contaminação e transmissão do HIV com a homossexualidade, Carneiro afirma que os direitos fundamentais não podem ser limitados apenas por números que indicam falsa causalidade.
“Se os números apontam que em certa região do país uma doença é mais prevalente, então vamos excluir as pessoas deste estado? Por essa lógica, a restrição passa a não ter fim”, disse ao ‘G1′. “Causalidade significa que determinada causa leva a um efeito. Ser homossexual não tem como efeito contrair uma doença sexualmente transmissível”.
Fonte: G1
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