África Ocidental e Central são regiões onde meninas estão particularmente vulneráveis a casamentos forçados
Violência doméstica e sexual, abuso, exploração, morte. Um casamento precoce tem efeitos devastadores sobre a vida de jovens garotas. As oportunidades educacionais e de desenvolvimento são restringidas, e os riscos de desenvolverem problemas de saúde aumentam.
De acordo com estimativas do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), 15 milhões de meninas se casam todos os anos antes de completarem 18 anos de idade – algumas delas pouco depois do décimo ano de vida. Metade desses casamentos são ilegais.
As garotas precisam abandonar a escola, cuidar do lar compartilhado com um homem que não conheciam antes do casamento e engravidar, apesar de seus corpos ainda não estarem prontos para uma gestação. De acordo com um estudo da organização de proteção à criança Save the Children, há uma conexão direta entre casamento precoce, gravidez e mortalidade infantil.
“Durante a gravidez e o parto, aumenta o risco para jovens futuras mães”, afirma Susanne Schröter, que dirige o instituto de pesquisa Globaler Islam, com sede em Frankfurt, e está familiarizada com o estudo.
A etnóloga pesquisa, entre outras coisas, a mudança de regulamentações de gênero no mundo islâmico. O casamento infantil é um fenômeno específico de gênero, que afeta principalmente meninas – independentemente da afiliação religiosa, segundo Schröter.
“Após o nascimento, as meninas ficam sobrecarregadas com o papel de mãe, porque ainda são crianças. É um escândalo”, diz Schröter. As jovens são sistematicamente reprimidas, pois o cônjuge, em muitos casos, é frequentemente muitos anos mais velho que a esposa, aponta.
“As meninas não conseguem se defender, pois as relações de força não permitem que elas ofereçam resistência”, explica a etnóloga.
Aumento de casamentos infantis e forçados
Com base na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, um casamento é permitido somente a partir dos 18 anos de idade na maioria dos países do mundo. Entre 2015 e 2017, países como Chade, Malawi, Zimbábue, Costa Rica, Equador e Guatemala elevaram a idade mínima para casamentos para 18 anos. Além disso, aboliram as exceções que validavam casamentos infantis consentidos pelos pais ou por um juiz.
Para Susanna Krüger, diretora-executiva da sucursal alemã da Save the Children, o declínio do número de casamentos infantis nesses países é um grande sucesso. “O quadro jurídico ajuda a mudar as estruturas sociais no longo prazo”, afirma.
No entanto, desde 2015, o casamento ilegal de garotas menores de idade aumentou de 11,3 milhões para 11,5 milhões mundo afora – e a tendência deve se manter. E ainda há 82,8 milhões de meninas com idades de dez a 17 anos que não estão legalmente protegidas contra casamentos infantis.
Considerando legislações que preveem como exceção que pais ou juízes deem o consentimento para um casamento infantil, 96,1 milhões de meninas estão vulneráveis a essas uniões – especialmente no Oriente Médio, no Norte da África, no Sul da Ásia, na África Ocidental e Central.
De religião a guerras
A legislação sozinha não é suficiente para impedir o aumento do número de noivas menores de idade, ressalta Krüger.
“É uma mistura de muitos fatores. A religião, a cultura ou as estruturas sociais e patriarcais estão estreitamente entrelaçadas e são mutuamente dependentes”, diz.
Sobretudo a pobreza mantém o sistema de casamentos infantil, aponta a especialista. “Os pais nem sempre casam suas filhas porque querem”, afirma. Meninas de áreas rurais e de famílias pobres são particularmente afetadas. Por razões financeiras, essas famílias se veem forçadas a casar suas jovens filhas com homens mais velhos.
Há uma diminuição dos índices de pobreza em alguns países, mas para os mais pobres a situação tem piorado. “Muitas famílias não têm como se libertar dessa pressão econômica”, diz Krüger.
Além dos aspectos econômicos, as guerras promovem casamentos precoces, aponta Schröter. É o que ocorre na Síria, por exemplo, assolada por uma guerra civil.
“Após o início do conflito e especialmente após o fluxo de refugiados, o número de casamentos infantis aumentou muito”, afirma. “Meninas foram forçadas a se casar aos 11 ou 12 anos de idade, com a premissa de que isso iria protegê-las de abuso sexual, por exemplo. A fuga sempre gera uma maior necessidade de segurança. Por isso, muitos se agarram às tradições que lhes dão segurança.”
Intercâmbio com pais e terceiros
De acordo com as metas de desenvolvimento sustentável da ONU, não deve haver mais casamentos infantis depois de 2030. Para ajudar a alcançar tal objetivo, a Save the Children apela aos políticos para que tomem medidas efetivas contra casamentos infantis.
“O mais importante é a educação e que as crianças e as meninas permaneçam nas escolas”, diz Krüger. Há muito o que fazer nas comunidades, e não se trata apenas de trabalho de esclarecimento. As famílias precisam de segurança para que a decisão de não casar suas filhas não tenha implicações financeiras, afirma a especialista.
“Queremos influenciar os programas governamentais de modo que haja oportunidades econômicas para os pais ou para as garotas, para que possam trabalhar no futuro”, diz Krüger. Para isso, exemplos positivos são importantes, assim como a compreensão dos pais e das comunidades.
Os melhores avanços no combate aos casamentos infantis são registrados na América Latina. Depois de alterações em legislações, o número de uniões envolvendo crianças caiu dentro de apenas dois anos. Hoje, uma a cada cinco garotas da região é prometida a um homem estranho, o que pode ser considerado um grande avanço.
Fonte: Deutsche Welle
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