Mateus 2 - I. EVANGELHO DA INFÂNCIA
PRÓLOGO: O Mistério de Jesus (2ª parte)
Mateus 2 – Contexto global
Enquanto que o capítulo 1 teve a principal preocupação de responder à identidade de Jesus, o capítulo 2 gira em torno de outra questão: De onde é Jesus e de que época? Mateus situa Jesus no espaço – Belém e Nazaré, e no tempo – tempo de Herodes, o Grande e de seu filho Arquelau. Porém, Herodes é muito mais do que um mero indicador de tempo, tendo um objetivo muito maior na história. Ao colocar o rei Herodes em relação com Jesus, Mateus salienta não apenas o quadro histórico do evento como anuncia o conflito futuro que irá opor o verdadeiro rei e salvador do povo às autoridades judaicas.
Mateus 2, 1-12: Os Magos do Oriente
Esta passagem é lida na Celebração da Epifania. Epifania significa “manifestação”: é a manifestação do Deus-Menino às nações pagãs, representadas através dos magos do Oriente que o procuram visitar. Desenha-se assim o drama da vida e missão de Jesus: rejeitado pelos judeus e adorado pelos pagãos, realizando-se a profecia de Isaías (Is 60 e 62) que anunciava a entrada da multidão dos pagãos na Jerusalém iluminada pela glória de Deus. Tal como Herodes pretendia, Pilatos irá condenar Jesus, mas todas as nações irão reconhecer a Sua glória, pelo que esta passagem antevê quem será a Igreja e quem estará em oposição à Igreja. O Messias inaugura assim uma Igreja aberta a todos os povos.
1 – Quem são os Magos? Os Magos poderiam ser astrólogos babilónicos, pois estes tinham conhecimento do messianismo hebraico. O título de reis, o número três e os seus nomes próprios devem-se a uma tradição extra-evangélica. Na profecia de Is 60, 1-6, a visita dos magos é vista como o cumprimento da peregrinação dos povos em direcção à luz e à glória do Senhor na Sua cidade santa. Mateus 2 apoia também a sua passagem no Salmo 72 (71) ao evocar o gesto dos magos: “os reis de Sabá e de Seba trarão sua ofertas. Todos os reis da terra se prostrarão diante dele” (Sl 72, 10b-11). Estas associações terão conduzido à ideia de que os magos seriam reis. Para o mundo judeu, estes personagens estrangeiros não são valorizados, mas, com este episódio, Mateus mostra como os pagãos, representados pelos magos, adoram Aquele que as autoridades do povo rejeitam.
2 – O sentido da estrela de Belém. A expressão “Estrela no Oriente” não se trataria apenas da referência a um astro, mas também de um título messiânico atribuído a Jesus (2 Pe 1, 19). A estrela é a metáfora do rei-messias. O aparecimento de uma estrela simbolizava, no mundo helénico e no mundo judeu o nascimento de alguém grandioso. Mas a estrela é também o sinal de Deus que guia os magos. Na Antiguidade, as estrelas eram consideradas como seres de natureza espiritual: divindades para os pagãos e anjos para os judeus-cristãos. Não há, pois, grande diferença entre a estrela que conduz os magos a Belém e os anjos de Lucas que conduzem os pastores ao presépio.
3, 4, 5 – O papel da classe dirigente. Os sumos sacerdotes e os escribas, também chamados “doutores da lei”, são responsáveis pela vida religiosa do povo. Mateus associa os sumos sacerdotes e os anciãos mais vezes ao longo do Evangelho, para indicar os chefes do povo como responsáveis pelo drama da rejeição de Jesus. (Mt 26, 3 47; 27, 1)
6 – A citação profética. Mateus sublinha a importância de Belém, recorrendo à combinação das profecias de Mq 5, 1-2 e 2 Sm 5, 2. Mateus procura também revelar a importância da Escritura na adesão à fé em Jesus Cristo ao invocar a profecia de Miqueias: sublinha a ascendência davídica de Jesus e anuncia em Jesus o pastor enviado às ovelhas perdidas da casa de Israel. Esta preocupação de revelar Jesus como Salvador e Messias surgirá em mais passagens do Evangelho.
7, 8, 9, 10, 12 – Herodes e os magos. Jesus aparece como o novo Moisés, revendo-se a história: os magos tornam-se personagens positivas, e Herodes veste o papel do soberano cruel que quer a perda do Menino Salvador.
11 – O simbolismo dos presentes. Ouro, incenso e mirra estão ligados tradicionalmente à Arábia e significavam as dádivas de todos os povos ao Messias esperado. A Igreja viu nesses dons símbolos da realeza, divindade e humanidade sofredora de Cristo.
Esta passagem pode dividir-se em duas partes, que contrastam opondo sentimentos e personagens, de forma a revelar o decurso da ação em dois atos, em que o segundo completa e resolve o primeiro:
Mt 2, 1-9ª
Mt 9b-12
Ação decorre na capital Jerusalém, diante do rei Herodes.
Os magos perguntam pelo Rei dos Judeus,deixando o rei perturbado.
Os profetas indicam onde Jesus nasceu através de uma profecia.
Entrevista entre Rei Herodes e magos, onde o rei procura descobrir onde e quando Jesus nascera, antevendo o seu plano de massacre.
Ação decorre na humilde Belém, diante do Deus Menino.
Os magos alegram-se ao ver o Menino.
A estrela guia os magos para o lugar preciso do nascimento e os magos prostram-se em adoração.
O plano de Herodes falha pois, avisados em sonhos, os magos não regressam a Jerusalém.
Mateus 2, 13-15: Fuga para o Egito
A intervenção de Deus continua através de José, que prossegue a sua missão de proteger o Menino, guiado pelo anjo do Senhor. Esta passagem tem uma estrutura semelhante ao relato do regresso, em Mt 2, 19-23 (bem como em Mt 1, 20-24, quando José descobre que Maria concebeu):
1) O anjo do Senhor aparece a José e dá-lhe uma incumbência;
2) José executa a ordem evangélica;
3) Há uma citação profética no termo do relato.
13 – O sonho de José. Os sonhos são meios com que Deus dirige o Seu povo e, nesta passagem, ao realçar a iniciativa divina, o sonho de José traduz a singularidade da sua missão na condução e protecção de Jesus, tal como nas passagens anteriores.
14, 15 – Porquê o Egipto? O Egito era o lugar tradicional de refúgio (e.g. Abraão, José, Moisés, entre outros). Através da profecia de Os 11, 1 e ao evocar o Êxodo, Mateus mostra que com Jesus começa o novo povo de Deus. Para Oseias, o filho chamado do Egipto era o povo de Israel. Jesus é o verdadeiro Israel que vai realizar o êxodo que conduz à terra prometida, o Reino de Deus. O menino Jesus é o menino Israel: assume o destino do Povo eleito para quem vai abrir um novo Êxodo.
Mateus 2, 16-18: Martírio dos Inocentes
O sangue corre em Israel prefigurando o da cruz: o menino Jesus, salvo pela Providência, revive o exílio do seu povo, enquanto morrem as crianças de Belém, por causa da ira e inveja dos poderosos. Assim, o episódio profetiza a paixão de Cristo e a salvação dele pela ressurreição. Jesus é semelhante a Moisés na perseguição. No entanto, a história inverte-se: Moisés fugia da hostilidade do Egito, enquanto é a terra de Israel que ameaça Jesus.
16 – As ações de Herodes. A narração tem uma base comum à do Êxodo e corresponde às atrocidades e costumes do rei Herodes, conhecidas pela história, revelando uma preocupação de Mateus de situar Jesus no contexto histórico e político do tempo. Herodes torna-se o Faraó perseguidor do novo Moisés e, portanto, o símbolo do poder ameaçador deste mundo.
17, 18 – Descendência de Raquel. O texto referido de Jr 31, 15 refere-se às tribos do Norte que foram chacinadas pelos assírios. Eram descendentes de Raquel e viviam em Rama; eram a figura dos inocentes de Belém. Uma tradição indicava que o túmulo de Raquel ficaria em Belém, onde esta mãe choraria os seus filhos mortos.
Mateus 2, 19-23: Jesus em Nazaré
Uma nova intervenção de Deus convida a ir mais longe, à “Galileia das nações” (Is 8, 23), que será o lugar de encontro de Jesus com o Seu povo (4, 15-16), e também o lugar de onde enviará os Seus discípulos por todas as nações (18, 16).
23 – Jesus, o Nazareno. Não é clara a origem do termo “Nazareno”, que no texto original seria na realidade “nazoreu”, podendo ser referente a cidadão de Nazaré, ou a “nazireu”, membro do grupo “nazir”, consagrado a Deus por um voto. Mateus parece ver aqui o equivalente a Galileu (21, 11; 26, 69.71); e parece evocar também o nazireu – “santo de Deus por excelência”. Os cristãos da Palestina, talvez na linha dos Baptistas, eram referidos como a seita dos Nazarenos. Se Mateus também pensa neste sentido, então sublinha, no começo do Evangelho, a solidariedade entre Jesus e os futuros crentes.
NOTA: Herodes morreu poucos dias antes da Páscoa do ano 750 (da fundação de Roma), isto é, no ano 4 da era cristã. Juntando os dois anos mencionados em Mt 2, 16, calcula-se que o nascimento de Jesus tenha sido entre 7-6 antes da nossa era.
Segundo Mateus, pelas citações que usa, Jesus aparece profundamente inserido no povo judeu e vem refazer a sua história, conduzindo esta ao seu termo. É o novo Moisés que se vai colocar à frente do Seu povo para o convidar a entrar com Ele no Reino de Deus.
A realidade que Mateus nos quer apresentar é também uma realidade histórica: Jesus, filho de David, Novo Moisés, é o libertador que nos salva pela Sua morte e Sua ressurreição.Termina a primeira parte do prólogo de Mateus, dedicada à infância de Jesus. A segunda parte põe-no em contato com João Batista (alguns estudos costumam incluir Mateus 3 e 4 no prólogo).
Leia também: Oficina Bíblica: Início da pregação 1ª parte
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