A Advocacia Geral da União (AGU) reconheceu num parecer do último dia 31 de março, obtido pelo ‘Globo’, a necessidade de se interromper atrasos sucessivos em repasses do governo para o pagamento do Bolsa Família, sob o risco de prejudicar 14 milhões de famílias beneficiárias. O mecanismo é chamado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) de “pedalada fiscal” e pode levar à rejeição das contas da presidente Dilma nas próximas semanas. O documento aponta as falhas nos repasses do governo à Caixa, responsável pelos pagamentos do programa, mas sustenta que não configuravam uma operação de crédito e, portanto, não desrespeitavam a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Os argumentos devem integrar a resposta de Dilma ao TCU, que deu 30 dias à presidente para explicar 13 indícios de irregularidades nas contas do governo de 2014. As “pedaladas” correspondem a três deles. Dilma corre o risco de ter as contas rejeitadas, um dos trunfos que a oposição busca para um pedido de impeachment. O julgamento definitivo das contas é do Congresso. Desde 1937 não há um parecer pela rejeição.
O documento da AGU foi elaborado pelo consultor-geral da União, Arnaldo Sampaio Godoy, e aprovado no mesmo dia pelo advogado-geral da União, Luís Inácio Adams. O documento de 61 páginas tratou da “pedalada” em relação à Caixa, responsável por pelos pagamentos do Bolsa Família. O Tesouro Nacional apresentou repasses a bancos oficiais como a Caixa como forma de melhorar artificialmente as contas públicas. Os bancos tiveram de arcar com programas como o Bolsa Família e o seguro-desemprego.
Em abril, os ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) concluíram que isso configurou um empréstimo dos bancos ao governo, o que é vedado pela LRF. Dezessete autoridades, entre atuais e ex-ocupantes da equipe econômica, foram chamados a se explicar. A presidente Dilma também terá de dar uma explicação se não quiser ter as contas de 2014 rejeitadas.
No parecer da AGU, o consultor-geral e o advogado-geral afirmam que a Caixa poderia ter interrompido o pagamento do Bolsa Família, o que só não foi feito por conta de uma possibilidade de “caos” e “comoção social”: “(…) a opção pelo pagamento revela inexigibilidade de outra conduta, dada a comoção social, o caos e a ameaça à sobrevivência de milhões de pessoas, que a mera interrupção causaria”.
Ainda conforme o parecer, a União e a CEF devem “ajustar imediatamente o fluxo de valores, de modo que a dúvida aqui apresentada não se projete no tempo, prejudicando-se quase 14 milhões de famílias brasileiras”. A AGU sugere a elaboração de uma cláusula contratual “que afaste qualquer dúvida quanto à aventada operação de crédito” e a aplicação dessa cláusula somente após uma decisão final do tribunal de contas a respeito do assunto.
Adams afirmou ao GLOBO que os argumentos do parecer integraram a defesa das 17 autoridades e ex-autoridades convocadas pelo TCU e devem fazer parte da defesa a ser apresentada por Dilma. O ministro-chefe da AGU não quis dizer se a resposta ao tribunal será elaborada e assinada pela própria presidente.
O relator das contas de 2014 de Dilma no TCU, ministro Augusto Nardes, sustenta que as explicações ao tribunal precisam ser assinadas pela presidente. Segundo ele, a sessão em plenário que vai julgar o parecer — pela reprovação ou pela aprovação com ressalvas das contas — deve demorar entre 45 e 90 dias, contados a partir da comunicação formal do governo.
A sessão que deu os 30 dias de prazo a Dilma ocorreu em 17 de junho. A decisão foi assinada pelo presidente do TCU, Aroldo Cedraz, no dia 22. Os 30 dias se encerrariam no fim de julho, e haveria mais 15 dias para uma análise pela área técnica do tribunal e para a elaboração do voto. Outra possibilidade é o governo pedir mais prazo para a resposta. Caberia ao relator analisar se concede ou não a extensão do prazo. Se conceder, a estimativa é de 90 dias para um julgamento.
O parecer da AGU foi elaborado no contexto de uma discussão travada entre a Caixa e o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), responsável pelo Bolsa Família, na Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal por causa dos atrasos dos repasses.
O consultor-geral Arnaldo Godoy afirma no documento que “o fato ocorrido talvez não ensejasse nenhuma novidade”, pois já houve saldos negativos na CEF de valores referentes ao seguro-desemprego em 2000, 2001 e 2002. Ele cita, porém, a existência atual de “falhas nos níveis de controle” e sugere melhorias nesse sistema.
“(…) a recorrência e a continuidade indefinida nos repasses poderia indicar alguma preocupação para com situação prevista na LRF”, diz o texto.
Fonte: O Globo
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