8 de julho de 2015

Notícia - ‘Pedalada fiscal': AGU reconhece manobra no Bolsa Família


Governo argumenta que não houve empréstimo e, por isso, não se trata de ‘pedalada’. Para AGU, decisão de manter pagamento do Bolsa Família foi da Caixa, para evitar “caos”

A Advocacia Geral da União (AGU) reconheceu num parecer do último dia 31 de março, obtido pelo ‘Globo’, a necessidade de se interromper atrasos sucessivos em repasses do governo para o pagamento do Bolsa Família, sob o risco de prejudicar 14 milhões de famílias beneficiárias. O mecanismo é chamado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) de “pedalada fiscal” e pode levar à rejeição das contas da presidente Dilma nas próximas semanas. O documento aponta as falhas nos repasses do governo à Caixa, responsável pelos pagamentos do programa, mas sustenta que não configuravam uma operação de crédito e, portanto, não desrespeitavam a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Os argumentos devem integrar a resposta de Dilma ao TCU, que deu 30 dias à presidente para explicar 13 indícios de irregularidades nas contas do governo de 2014. As “pedaladas” correspondem a três deles. Dilma corre o risco de ter as contas rejeitadas, um dos trunfos que a oposição busca para um pedido de impeachment. O julgamento definitivo das contas é do Congresso. Desde 1937 não há um parecer pela rejeição.

O documento da AGU foi elaborado pelo consultor-geral da União, Arnaldo Sampaio Godoy, e aprovado no mesmo dia pelo advogado-geral da União, Luís Inácio Adams. O documento de 61 páginas tratou da “pedalada” em relação à Caixa, responsável por pelos pagamentos do Bolsa Família. O Tesouro Nacional apresentou repasses a bancos oficiais como a Caixa como forma de melhorar artificialmente as contas públicas. Os bancos tiveram de arcar com programas como o Bolsa Família e o seguro-desemprego.

Em abril, os ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) concluíram que isso configurou um empréstimo dos bancos ao governo, o que é vedado pela LRF. Dezessete autoridades, entre atuais e ex-ocupantes da equipe econômica, foram chamados a se explicar. A presidente Dilma também terá de dar uma explicação se não quiser ter as contas de 2014 rejeitadas.

No parecer da AGU, o consultor-geral e o advogado-geral afirmam que a Caixa poderia ter interrompido o pagamento do Bolsa Família, o que só não foi feito por conta de uma possibilidade de “caos” e “comoção social”: “(…) a opção pelo pagamento revela inexigibilidade de outra conduta, dada a comoção social, o caos e a ameaça à sobrevivência de milhões de pessoas, que a mera interrupção causaria”.

Ainda conforme o parecer, a União e a CEF devem “ajustar imediatamente o fluxo de valores, de modo que a dúvida aqui apresentada não se projete no tempo, prejudicando-se quase 14 milhões de famílias brasileiras”. A AGU sugere a elaboração de uma cláusula contratual “que afaste qualquer dúvida quanto à aventada operação de crédito” e a aplicação dessa cláusula somente após uma decisão final do tribunal de contas a respeito do assunto.

Adams afirmou ao GLOBO que os argumentos do parecer integraram a defesa das 17 autoridades e ex-autoridades convocadas pelo TCU e devem fazer parte da defesa a ser apresentada por Dilma. O ministro-chefe da AGU não quis dizer se a resposta ao tribunal será elaborada e assinada pela própria presidente.

O relator das contas de 2014 de Dilma no TCU, ministro Augusto Nardes, sustenta que as explicações ao tribunal precisam ser assinadas pela presidente. Segundo ele, a sessão em plenário que vai julgar o parecer — pela reprovação ou pela aprovação com ressalvas das contas — deve demorar entre 45 e 90 dias, contados a partir da comunicação formal do governo.

A sessão que deu os 30 dias de prazo a Dilma ocorreu em 17 de junho. A decisão foi assinada pelo presidente do TCU, Aroldo Cedraz, no dia 22. Os 30 dias se encerrariam no fim de julho, e haveria mais 15 dias para uma análise pela área técnica do tribunal e para a elaboração do voto. Outra possibilidade é o governo pedir mais prazo para a resposta. Caberia ao relator analisar se concede ou não a extensão do prazo. Se conceder, a estimativa é de 90 dias para um julgamento.

O parecer da AGU foi elaborado no contexto de uma discussão travada entre a Caixa e o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), responsável pelo Bolsa Família, na Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal por causa dos atrasos dos repasses.

O consultor-geral Arnaldo Godoy afirma no documento que “o fato ocorrido talvez não ensejasse nenhuma novidade”, pois já houve saldos negativos na CEF de valores referentes ao seguro-desemprego em 2000, 2001 e 2002. Ele cita, porém, a existência atual de “falhas nos níveis de controle” e sugere melhorias nesse sistema.

“(…) a recorrência e a continuidade indefinida nos repasses poderia indicar alguma preocupação para com situação prevista na LRF”, diz o texto.
Fonte: O Globo

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