Número de muçulmanos britânicos que foram lutar na Síria é maior do que aqueles que se alistaram nas Forças Armadas. O EI tem forte presença na internet, realizando recrutamentos on-line e pirateando páginas de órgãos oficiais das grandes potências
Quando o pai de Tasnime Akunjee, então um estudante universitário de uma família de classe média em Bangladesh, chegou ao Reino Unido no início de 1970, ele pensou que as ruas de Londres eram pavimentadas com ouro. Literalmente.
“Naqueles dias, o Reino Unido tinha uma história poderosa para contar’, conta Akunjee, um advogado baseado em Londres, segundo matéria publicada no site do ‘O Globo’.
Uma vez que o pai chegou, conta Akunjee, ficou chocado ao descobrir que estava andando em meras pedras de calçamento. Mas se recuperou rapidamente. Calçadas de ouro ou não, Akunjee diz, “ele queria ser parte dela — eles fizeram tudo naquela geração”.
Mesmo jovens homens e mulheres educados em ex-colônias do Reino Unido acreditavam em algumas campanhas de marketing, absurdamente idealizadas, de seu antigo império. Agora, num tom diferente, mas que está se provando semelhantemente sedutor, tem influenciado centenas de jovens muçulmanos britânicos a acreditar na visão do Estado Islâmico (EI) sobre o seu autoproclamado califado na Síria e no Iraque. E, assim, deixam para trás as oportunidades ocidentais pelas quais seus pais vieram para o Reino Unido, quando aqueles jovens muçulmanos fariam, numa terra prometida de virtude religiosa, a comunidade muçulmana e a revolução justa.
“É o último sucesso de marketing”, afirma Akunjee, que representa as famílias de três adolescentes que recentemente fugiram para a Síria. “Eles conseguem vender uma zona de guerra como um paraíso muçulmano”.
Até agora, o Ocidente não apresentou um contra-argumento convincente. Mais muçulmanos britânicos foram lutar na Síria do que se alistaram nas Forças Armadas. Enquanto que o primeiro-ministro britânico, David Cameron, declarou na semana passada: “Nós temos que enfrentar uma trágica verdade: que há pessoas nascidas e criadas neste país que realmente não se identificam com o Reino Unido”.
Autoridades ocidentais têm se esforçado para categorizar o EI.
“Você não participaria de um grupo terrorista a menos que você concordasse com ele em 100%”, diz um funcionário do governo britânico. “Mas você pode estar 100% de acordo com a ideia de um Estado e ainda discordar com algumas das coisas que ele faz. Isto estende o conjunto de potenciais recrutas para bem além daqueles que aceitam decapitações”.
O EI, também conhecido como Isis ou Isil, joga com essa ambiguidade, apelando não apenas para combatentes estrangeiros, mas também a mulheres, famílias, professores e médicos. Seus vídeos de recrutamento têm caracterizado os cirurgiões com estetoscópios ao redor de seus pescoços. Alunos aparecem com mochilas escolares com o logotipo do EI.
“A marca Califado tem feito mais pelo recrutamento do que qualquer outra coisa”, enfatiza a diretora do Instituto para o Diálogo Estratégico, Sasha Havlicek. “É sobre a construção da visão utópica, não apenas de luta.”
Para o diretor de estudos de segurança internacional do Instituto Real de Serviços Unidos, Raffaello Pantucci, autor de “We love death as you love life” (“Nós amamos a morte como você ama a vida”), um livro sobre a radicalização no Reino Unido, o EI parece mais crível do que outros grupos islâmicos recentes.
“A visão utópica era difícil de vender com o Afeganistão e o Paquistão”, observa Pantucci. “O EI é muito mais jovem e global. É uma organização internacionalista. Ele pensa a si mesmo como progressista. Se você está lutando por sua identidade, o EI é a chama flamejante a seguir”.
Cameron não é o primeiro premier a considerar o significado de “Britishness” (exaltar as características britânicas). Seu antecessor, Gordon Brown, certa vez lançou a ideia de um “Dia Britânico”. E mesmo os britânicos não muçulmanos estão desesperançosos sobre a identidade nacional em um tempo de cortes de benefícios, salários estagnados e incertezas, incluindo a adesão britânica na União Europeia. Neste contexto, reforçar o senso de pertencimento entre os britânicos muçulmanos vai exigir mais do que retórica e simbolismo.
Segundo Pantucci, o Reino Unido e outras nações ocidentais devem abordar as queixas dos jovens muçulmanos, da discriminação no mercado de trabalho à islamofobia, e oferecer maneiras positivas de canalizar seu idealismo. Organizar comboios de ajuda humanitária para os campos de refugiados sírios na Turquia e no Líbano seria uma maneira.
Não ajudou muito o fato de, dois anos após o Parlamento rejeitar a participação do Reino Unido em uma campanha aérea contra o regime sírio sobre o uso de armas químicas, verificou-se que Cameron tinha autorizado pilotos britânicos a conduzir ataques aéreos contra militantes do EI como parte da coalizão internacional liderada pelos Estados Unidos.
“Se o Ocidente se levanta pela justiça contra a tirania, então precisa fazer isso de forma consistente: se é contra o EI ou o regime sírio”, ressalta Sasha Havlicek. “A mensagem que é enviada é de que estamos de acordo com a tirania desde que não ponha em risco nossos interesses”.
Fonte: O Globo
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