Milhares de cambojanos viram neste mês o búfalo real prever um bom ano para os cultivos durante a Cerimônia da Colheita, mas a superstição se afasta da opinião de especialistas que alertam para o perigo que os efeitos de "La Niña" podem ter após uma seca devastadora.
Dois milhões e meio de pessoas afetadas em todo o país, 2.500 escolas com falta de água e perdas numerosas de gado e cultivos para a maioria da população rural é o resultado da pior seca no Camboja desde 1979, segundo dados oficiais.
Apesar do alívio das primeiras chuvas em maio, a escassez de água continua e a terra e os cultivos desprovidos de nutrientes são mais vulneráveis à erosão e às chuvas erráticas, que poderiam ocorrer durante os seis meses que dura a monção.
"La Niña", um fenômeno climatológico de efeitos opostos ao "El Niño" e que causa uma redução das temperaturas no oceano Pacífico equatorial, poderia ocorrer no terceiro quadrimestre do ano e resultar em inundações, segundo indicou a Organização Mundial da Meteorologia em maio.
"As trombas d'água podem levar tudo, a terra de cultivo, que tem os nutrientes; e as inundações maciças podem fazer com que as pessoas sejam deslocadas, como em 2011", declarou à Agência Efe a assessora técnica chefe da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), Stacy Crevello.
Em 2011, ano no qual o sudeste asiático sofreu uma forte seca, cerca de 250 pessoas morreram e 50 mil foram deslocadas de seus lares por causa das inundações no Camboja, que afetaram também com dureza outros países da região.
O impacto do clima é especialmente visível no reino, onde a agricultura representa um terço do Produto Interno Bruto e cerca de 80% da população vive em zonas rurais.
No povoado de Kouk Kandal, na nortista província de Siem Reap, muitos poços ainda estão secos ou quase vazios e as famílias viram sua economia e saúde afetadas pela seca.
"Faz calor, muitíssimo calor. Este ano foi muito mais cálido que os anteriores, tanto que a pele quase queima", lamentou Yay Nin, de 57 anos, fazendo referência às temperaturas que alcançaram os 42 graus em abril.
"Tive que vender os frangos para comprar água e poder cozinhar", acrescentou a camponesa, que tem um poço seco em sua propriedade e carece de dinheiro para torná-lo mais fundo.
A FAO, que administra um projeto contra a mudança climática na região, advertiu que, além da gestão de água, é importante deter o desmatamento.
"É possível melhorar a saúde do ecossistema em nível local, assegurar-se que tem florestas, que há área de repovoamento onde pelo menos haja vegetação nas margens e onde se tente reduzir o impacto da mudança climática", destacou Stacy Crevello.
O Camboja foi o país do mundo com o ritmo de desmatamento mais acelerado entre 2000 e 2014, segundo um estudo publicado em setembro pela ONG World Resource Institute.
O Comitê Nacional para a Gestão de Desastres (NCDM, na sigla em inglês) empreendeu ações para diminuir a seca em março, que se intensificaram no final de abril com uma campanha emergencial de distribuição de água a pedido do primeiro-ministro, Hun Sen.
Quanto às inundações, o porta-voz do NCDM, Keo Vy, assegurou não estar preocupado já que "temos experiência com episódios anteriores" e "suficientes recursos e lugares para receber os evacuados".
No entanto, no povoado de Kouk Kandal, o chefe adjunto do Comitê em nível comunal, Yorng Os, contou que este ano seus superiores não atuaram após receberem seus relatórios sobre a seca em sua região.
"Em outros anos havia alguma resposta, mas não muita, neste povoado há 200 famílias e só dez se beneficiaram com 20 quilos de arroz cada uma e filtros, mas este ano ainda não vi nada", admitiu Yorng junto a uma casa tradicional que se eleva sobre postes de madeira para escapar das inundações.
No último dia 25 de maio, Hun Sen deu por terminada a campanha de emergência de distribuição de água, "exceto nas zonas mais vulneráveis", deixando o país à espera que o búfalo real acerte seu prognóstico e este seja um bom ano.
Fonte: EFE.
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