Termina em 26 de abril o prazo para apresentação final dos debates da CPI dos Crimes Cibernéticos. Instalada em agosto de 2015, a Comissão Parlamentar de Inquérito foi criada para apurar crimes e regulamentar punições a serem atribuídas a quem cometer crimes utilizando os recursos da internet e a invasão de dispositivos eletrônicos como computadores, tablets, telefones celulares e quaisquer outros aparelhos similares.
Segundo o relator da Comissão, Deputado Federal Esperidião Amin (PP-SC), as conclusões da CPI já foram apresentadas, mas um debate posterior concluiu que ainda havia alguns pontos a serem esclarecidos e mais bem estudados. Por isso, a Comissão ganhou prazo adicional para que receba novas contribuições e possa aprofundar os debates no Congresso Nacional.
Além disso, como destacou Amin em entrevista à Sputnik Brasil, os integrantes da CPI dos Crimes Cibernéticos precisaram de um período mais elástico de trabalho para que suas conclusões pudessem harmonizar a linguagem jurídica, necessária ao trabalho de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, à complexa linguagem do mundo da eletrônica.
Esperidião Amin também destacou que o trabalho da CPI permitiu à Polícia Federal desencadear operações que levaram à descoberta de autênticas quadrilhas que obtinham verbas públicas para, em seus sites, difundir pornografia e outros abusos. Segundo o parlamentar, verbas públicas eram direcionadas a estes sites sem a devida verificação do seu conteúdo mas tão-somente porque eram sites de grande audiência.
O deputado esclarece que não há razões para temores em relação a possíveis interferências no direito de livre expressão na internet ou de que dados pessoais dos usuários se tornem públicos: “A CPI teve o cuidado de exigir que somente ordens judiciais (documentos assinados por juízes de Direito) poderão dar margem ao levantamento de dados pessoais, desde que haja indícios de autoria de crimes.”
O Deputado Espiridião Amin esclarece que o temor à censura “é nosso também, porque se confunde um pouco censura com identificação do autor da calúnia ou da recolocação da calúnia no ar. Confunde-se às vezes a palavra censura com a capacidade de se prospectar o que um site pode conter de crime. Vamos a um fato concreto: a Operação Barba Negra – pode procurar no site da Polícia Federal e do Ministério Público – foi deflagrada graças a uma preocupação desta CPI. Trata-se de sites pornográficos de propagação de pedofilia e de pirataria que recebiam subvenções, verbas publicitárias até do Governo Federal – caso do Programa Minha Casa Minha Vida – em função do grande número de acessos que esses sites mereciam, porque as agências de distribuição e de classificação de volume de acessos nesses sites não analisavam o seu conteúdo legal e moral.”
Amin destaca que “em todos os casos somente a ordem judicial determinará a quebra de sigilo – somente com autorização do juiz, não do Ministério Público nem do agente policial”.
Por sua vez, a advogada Marília Maciel, professora da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas e gestora do Centro de Tecnologia e Sociedade (o ramo da FGV que se dedica ao estudo de direitos dos usuários da internet), afirma que, embora a CPI dos Crimes Cibernéticos tenha concluído etapas na quinta-feira, 7, ainda precisa prestar esclarecimentos adicionais como, por exemplo, “deixar claro para o usuário que seu direito de livre manifestação não sofrerá qualquer cerceamento ou, falando mais claramente, censura”.
Marília Maciel lembra que a criação da CPI foi motivada, basicamente, pela crença de que o número de cibercrimes tenha aumentado no Brasil: “A Polícia Federal desbaratou algumas quadrilhas que trabalhavam com desvios de recursos para compra de drogas e armas, e isso alarmou o Congresso Nacional. Então, criaram essa CPI para entender como o Congresso deveria se portar diante dos crimes cibernéticos.”
“Apesar da importância do tema dos crimes cibernéticos e de a CPI ter feito várias audiências públicas e ouvido vários setores da sociedade, infelizmente esse relatório final saiu um pouco desequilibrado”, critica a gestora do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV. “Nós percebemos, em sua leitura, que existe um entendimento da internet como se ela fosse um ambiente onde só há crimes, um ambiente extremamente perigoso para a sociedade, quando sabemos que em qualquer ambiente de interação humana vão acontecer crimes e desvios de conduta. Mas a internet também é um espaço de exercício de direitos e liberdade, um espaço de criação, de inovação e de novos negócios que são importantes para o país, e por isso qualquer regulação da internet deve ser tratada com cuidado.”
Marília Maciel adverte ainda que “esses projetos de lei, particularmente alguns deles, vêm, de uma maneira muito negativa, cercear direitos. Um dos exemplos é um projeto de lei que trata dos crimes de conteúdo que poderia ser interpretado como ofensivo à honra, e cria uma obrigação para os provedores, as plataformas onde esses conteúdos estariam hospedados, de retirar esses conteúdos mediante notificação de um particular, sem que haja qualquer exame por parte de um juiz. Essas plataformas deveriam retirar o conteúdo em 48 horas e tirar qualquer conteúdo que fizesse menção a esse conteúdo que foi retirado. O que é muito amplo e dá margem à censura privada dos conteúdos na internet.”
A especialista comenta que “no contexto atual, em que existe uma crítica aos políticos, é grande a possibilidade de alguém interpretar que aquele conteúdo é ofensivo e pedir a sua retirada. E é claro que a plataforma, sentindo-se vulnerável, vai agir de modo a retirar o conteúdo. Não cabe à plataforma fazer um juízo que deveria caber ao Judiciário, mas, com receio de ser processada, essa plataforma possivelmente vai retirar o conteúdo. Isso empobrece o conteúdo que existe disponível na internet e é extremamente ofensivo à liberdade de expressão.”
Finalmente, a Professora Marília Maciel aponta outros temas “que são tratados de maneira equivocada nesse projeto, como, por exemplo, o projeto de lei que pede que os IPs dos usuários da internet sejam entregues às autoridades investigadoras sem que seja necessária ordem judicial para isso”.
Segundo a especialista, “esse foi um tema debatido de maneira exaustiva no processo que levou à aprovação do Marco Civil da Internet, e os congressistas chegaram à conclusão de que o IP é um elemento importante para a proteção da privacidade. Para que a autoridade investigadora tenha acesso a esse IP, é preciso que um juiz veja se há motivação suficiente, e assim ele só poderia ser acessado com ordem judicial. Essa também foi a opinião das pessoas que participaram no processo de consulta do Marco Civil. O projeto de lei no relatório da CPI pede que essa ordem judicial não seja mais necessária, e isso vai no caminho de enfraquecer a privacidade dos indivíduos, que é o caminho oposto ao que nós deveríamos estar tomando no Brasil.”
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Fonte: Sputnik.
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