No cenário pré-impeachment, a Operação Lava Jato foi o rolo compressor que expôs os meandros de uma insaciável máquina de corrupção instalada dentro da Petrobras. Por meio dela, empreiteiras irrigavam contas de políticos do PT e partidos aliados em troca de contratos bilionários com a estatal. Em pouco mais de dois anos de apuração meticulosa, uma enxuta força-tarefa baseada em Curitiba e composta do juiz federal Sergio Moro e onze procuradores conseguiu o que parecia impensável: punir os donos das maiores empreiteiras do país por corrupção e formação de cartel e apontar um rol de parlamentares e caciques políticos suspeitos de locupletar-se do esquema.
Calcada na eficiência, a Lava Jato ganhou força e apoio popular, revigorou a Justiça e pôs um freio na impunidade. A partir de agora, no entanto, vem a parte mais difícil: assegurar que não pare no meio do caminho e que os resultados já alcançados se disseminem pelo país e se transformem em prática duradoura, seja qual for o cenário político.
Iniciada há pouco mais de dois anos, a operação tem prazo para acabar. Em uma conversa informal no início deste mês na Universidade de Chicago, onde proferiu palestra, Moro afirmou que pretende encerrar os trabalhos na 13ª Vara Federal de Curitiba até dezembro. A Lava Jato já ostenta um balanço portentoso: 93 condenações, cujas penas somadas chegam a 1 000 anos, 155 presos e 179 réus em ações judiciais. Quase 3 bilhões de reais desviados pelos investigados foram devolvidos aos cofres públicos e outros 18 bilhões estão na mira da força-tarefa da Lava Jato – que inclui, além de Moro e dos procuradores, policiais federais e técnicos da Receita Federal.
Os processos fora da alçada de Moro – porque envolvem suspeitos com foro privilegiado ou porque não têm relação direta com o petrolão – foram ou ainda serão encaminhados a outros estados e instâncias. É nesse ponto que o combate à corrupção deflagrado pela República de Curitiba, como vem sendo chamada a força-tarefa instalada na capital do Paraná, muda de campo. No Tribunal Superior Eleitoral serão examinadas as suspeitas de uso de dinheiro sujo na campanha que elegeu Dilma e Temer em 2014. No Supremo Tribunal Federal repousam as acusações contra congressistas e membros do governo suspeitos de integrar a banda do esquema que ainda não foi confrontada – os receptores finais da propina paga pelos empresários em troca de favorecimento. Diferentemente da presteza da força-tarefa de Curitiba, no Supremo o ritmo é mais demorado. A primeira providência a ser tomada no tribunal será o reexame de toda a documentação reunida pelo procurador-geral Rodrigo Janot. Embora os relatos juntados até agora incluam a menção a dezenas de nomes, como o presidente do Senado, Renan Calheiros, e o vice-presidente da República, Michel Temer, até este momento apenas um único político, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, teve o afastamento imediato pedido por Janot.
É justamente nesse vácuo provocado pela diferença de ritmo entre as esferas de investigação que os avanços da Lava Jato correm o risco de diluir-se – como aconteceu na Itália nos anos 1990 com a Operação Mãos Limpas. “Nosso temor é que se repita no Brasil a experiência italiana, que abriu uma possibilidade de mudanças concretas, mas que não foram adiante porque o sistema corrupto reagiu fortemente”, alerta o procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa.
A Mãos Limpas prendeu quase 3.000 pessoas, entre empresários, políticos e aliados, e obrigou o ex-primeiro-ministro Bettino Craxi a fugir para a Tunísia. No entanto, assim que a investigação se encerrou, o Legislativo em Roma se mobilizou para enfraquecê-la com medidas destinadas a evitar a condenação dos envolvidos, criando diques burocráticos para emperrar os processos.
O arsenal para refrear o ímpeto anticorrupção na Itália chegou a incluir até um decreto apelidado de Salva-ladri (salva-ladrões), que proibia a prisão preventiva no caso de crimes contra a administração pública e o sistema financeiro. De tão escandaloso, acabou anulado. Mas o maior obstáculo à Justiça italiana foi uma lei que alterou as regras para a produção de provas. Como consequência, vários processos foram arquivados ou prescreveram. Ajudou nessa pizza italiana o fato de a Mãos Limpas ter perdido gradativamente o apoio da opinião pública, que aos poucos deixou de alimentar a esperança de testemunhar a condenação dos principais criminosos e passou a suspeitar que o futuro seria igual ao passado. “Investigações não extirpam todos os políticos corruptos, só os que forem descobertos. E os que sobrevivem correm na mesma hora para tomar seu lugar”, afirmou a ‘Veja’ o cientista político italiano Alberto Vannucci, professor da Universidade de Pisa e estudioso da Mãos Limpas.
Ao invés de avançar, a Itália acabou retrocedendo em vários aspectos no combate à corrupção, desfecho a que o Brasil deve estar atento para não reprisar. O Congresso tem em mãos projetos de lei que, se não afetam diretamente a operação em vigor, certamente dificultarão o surgimento de outra Lava Jato, caso vinguem. Não são salva-ladrões escancarados, mas chegam lá. Um deles propõe que os investigados sejam avisados com três dias de antecedência – isso mesmo – sobre eventuais diligências em busca de provas. Outro, já aprovado na Comissão de Justiça da Câmara, limita em 24 meses o prazo de investigação. Um terceiro, ainda, pretende impedir acordos de delação premiada se o delator estiver preso. “O efeito mais admirável da Lava Jato foi mostrar que justiça e ética são questões tão importantes quanto saúde, segurança e educação”, avalia Joaquim Falcão, professor da Fundação Getulio Vargas. Agora que Moro e sua equipe se preparam para pôr em cena o último ato e sair do palco, o caminho para um Brasil melhor não pode ser obstruído por ações oportunistas dos interessados de sempre em deixar tudo como está. Nisso, o maior temor reside justamente no PMDB de Michel Temer, quase tão sujo no petrolão quanto o PT, que está de saída. Seus principais líderes estão enlameados. Se a Lava Jato não chegar a eles, a velha pizza italiana estará entrando num forno à brasileira.
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Fonte: Veja
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