Com um chip RFID (de identificação por radiofrequência) implantado na mão esquerda, o empresário Erico Perrella é o único capaz de desbloquear seu smartphone, e só com a sua proximidade ao aparelho. Já o body piercer Rafael Leão consegue atrair objetos de metal e, segundo ele, sentir energias magnéticas devido ao ímã que possui na ponta de um dos dedos. Apesar de parecerem personagens de ficção científica, ambos fazem parte de um fenômeno real: são adeptos do transumanismo (H+, na sigla), um movimento intelectual que prega o uso da tecnologia para ampliar as capacidades humanas, e que, segundo historiadores e futurólogos, poderá alterar a evolução da nossa espécie com novas oportunidades, mas, também, assustadores perigos.
No entanto, enquanto seus entusiastas veem os implantes subcutâneos como um pequeno passo em direção a um futuro em que homens e máquinas poderiam compor um ser híbrido, para o Conselho Federal de Medicina (CFM) a novidade representa um potencial risco à saúde destas pessoas — o que não impede que brasileiros adquiram as peças em sites estrangeiros e as implantem por conta própria, ou com a ajuda de body piercers.
Referência na realização de implantes de chips e ímãs no Brasil, o profissional de body piercing Rafael Leão, de 30 anos, conta já ter feito o procedimento em ao menos 14 pessoas desde 2012.
O implante, que custa cerca de de R$ 150, é realizado com auxílio “de seringas e agulhas descartáveis, que são vendidas com os próprios chips e ímãs”, explicou Rafael. Ainda segundo o profissional, o procedimento é todo legal.
Movimento mundial
E os brasileiros não estão sozinhos na adoção dos implantes. No início deste ano, o edifício Epicenter, na Suécia, ofereceu aos 400 trabalhadores do prédio a opção de trocar o crachá de acesso ao local por um chip RFID, que poderia ser implantado nas suas mãos.
No mês passado, foi a vez de o pesquisador de segurança digital Seth Wahle virar notícia ao adotar o implante subcutâneo para hackear smartphones com o sistema operacional Android — o experimento foi apresentado na conferência Hack Miami, nos EUA.
Esses episódios, no entanto, são apenas uma pequena parte de um movimento maior e mais antigo. Com uma origem que remonta ao início do século passado, o H+ tem, inclusive, uma associação internacional: a Humanity+. Criada em 1998 pelos filósofos Nick Bostrom e David Pearce, ela atualmente conta com mais seis mil membros em todo o mundo, e se dedica ao “uso ético da tecnologia para expandir as capacidades humanas”.
Além disso, vislumbrados em obras como os filmes “Blade Runner” (1982), a série de TV “Jornada nas estrelas” e até em jogos de videogame, como “Deus Ex: human revolution” (2011), os conceitos por trás da integração entre homens e máquinas encontram eco nas observações de diversos especialistas conceituados.
Notório por suas previsões acertadas — em 1990, ele anteviu a ascensão da internet —, o engenheiro do Google Ray Kurzweil, por exemplo, acredita que até 2030 seremos capazes de conectar nossa mente à nuvem de dados.
Autor do best-seller “Sapiens — Uma breve história da humanidade”, o historiador israelense Yuval Harari afirma em seu último livro, “A História do amanhã”, publicado este ano, e disponível somente em hebraico, por enquanto, que os próximos objetivos da Humanidade são justamente “vencer a morte”, “alcançar a felicidade” e “melhorar o corpo”, por meio do uso de aprimoramentos tecnológicos.
No entanto, de acordo com Harari, ao mesmo tempo que o H+ sinaliza novas oportunidades, ele também nos apresenta novos riscos: “Se as elites do século XXI tiverem acesso preferencial a tecnologias de aprimoramentos corporais, o resultado pode ser a tradução da desigualdade social em um desequilíbrio biológico”.
Enquanto este futuro não chega, os entusiastas do transumanismo dão pequenos passos em direção à tendência adquirindo seus chips e ímãs em lojas on-line especializadas no segmento.
Na americana Dangerous Things, por exemplo, uma das principais do mercado, é possível encontrar estes itens por valores entre US$ 39 e US$ 69. No caso dos chips, eles variam entre duas tecnologias de transmissão de dados: RFID e NFC, esta última compatível com a maioria dos smartphones modernos.
Prática perigosa
No entanto, para o médico e membro do Conselho Federal de Medicina (CFM) Sidnei Gusmão, os perigos que tais itens representam são maiores do que seu tamanho faz parecer:
“Eles não são aprovados pelas autoridades médicas. Ao injetá-los por debaixo da pele, as pessoas podem atingir vasos ou artérias, fazendo com que o corpo estranho possa migrar para órgãos. Mesmo que as peças sejam pequenas, o problema decorrente disso pode ser enorme”.
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Fonte: O Globo
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