12 de junho de 2015

Notícia - Declarações polêmicas: seria o papa Francisco comunista?

Ao criticar abertamente o livre mercado, o papa Francisco dividiu, principalmente, os católicos: aqueles mais à esquerda passaram a endeusá-lo, enquanto os representantes da direita o acusam de ser comunista. Tanto que o assunto virou reportagem da ‘BBC Brasil’.

A cisão decorre das últimas declarações do pontífice. O líder da Igreja Católica vem fazendo duras críticas ao capitalismo – primeiro como fonte de desigualdade e segundo como uma economia que “mata”.

Mas seria o papa um marxista radical?

Ao retornar das comemorações do Dia da Vitória em Moscou, na Rússia, no mês passado, o presidente cubano Raúl Castro parou em Roma para agradecer ao papa Francisco por seu papel em reaproximar Cuba e Estados Unidos. “Se o papa continuar nesse caminho, eu vou voltar a rezar e retornar à Igreja ─ não estou brincando”, disse Castro.

Em setembro deste ano, o papa Francisco poderá devolver os elogios ao fazer uma escala em Cuba durante sua viagem aos Estados Unidos, na que pode ser a visita internacional mais difícil de seu pontificado.

O apoio de Raúl Castro tende a prejudicar o papa Francisco junto à direita americana, cujos principais integrantes reagiram duramente à reaproximação do presidente Barack Obama com Havana.

“Há muito ceticismo entre os católicos americanos”, diz Stephen Moore, economista-chefe do centro de estudos conservador The Heritage Foundation, em Washington.

Moore, que se diz católico, acusa o pontífice de ter “claramente tendências marxistas”.


“É inquestionável que ele tem se mostrado bastante cético em relação ao capitalismo e ao livre mercado, e eu acho isso muito preocupante”.

O radialista conservador Rush Limbaugh é menos cerimonioso. Ele descreve a exortação apostólica do papa Francisco Evangelii Gaudium (“A Alegria dos Evangelhos”) como “puro marxismo”.

Os EUA estão longe de ser a nação mais cristã do Ocidente. Há 80 milhões de católicos batizados, e se trata da maior denominação religiosa do país. Muitos de seus integrantes encaram o agora santo João Paulo 2º como um papa-herói porque ele era um valente opositor da Guerra Fria ─ e isso aumenta o sentimento deles de traição em relação a Francisco.

Embora a taxa de aprovação do atual pontífice ainda seja alta, especialmente entre católicos democratas, Francisco tem uma presença polarizada, e a questão “o papa é comunista?” realmente importa.

João Paulo 2º e Francisco vêm de mundos muito diferentes, e isso inevitavelmente influenciou o pensamento dos pontífices em assuntos como economia e justiça social.

O primeiro passou grande parte de sua vida sob regimes totalitários ─ primeiro sob ocupação nazista durante a 2ª Guerra Mundial, depois a dominação soviética e stalinista da Polônia durante a Guerra Fria. Tudo o que ele experimentou como padre e bispo fizeram com que ele visse o comunismo como inimigo.

Em contrapartida, Francisco ─ ou Jorge Bergoglio, seu nome de batismo ─ viveu sob o regime do líder nacionalista argentino, Juan Carlos Perón.

Austen Ivereigh, que escreveu a biografia do papa Francisco e estudou teologia na Argentina, diz que, embora tenha dominado a política argentina, o peronismo é difícil de ser definido em termos políticos convencionais.

“Não é nem de esquerda nem de direita”, diz ele. “Mas o peronismo bebe de um tipo de ressurgimento nacionalista na Argentina, nas décadas de 30 e 40, e era muito identificado com a classe operária, acima de tudo, e especialmente com os sindicatos”.

Ivereigh acredita que o jovem Bergoglio tenha sido profundamente influenciado pelas ideias peronistas.

Os dois papas também tinham entendimentos muito diferentes da Teologia da Libertação, movimento polêmico baseado na convicção de que os evangelhos exigem a opção preferencial pelos pobres.

João Paulo 2º era um crítico dessa corrente teológica. Em sua opinião, a Teologia da Libertação aproximava os padres e bispos de uma ideologia quase violenta e marxista.

Já Francisco, apesar de ter rejeitado o marxismo, aceitou muitos dos princípios da Teologia da Libertação, expondo o que Ivereigh chama de “versão nacionalista” do movimento, ou a chamada “Teologia do Povo”.

‘Doutrina Social da Igreja’

No entanto, os escritos econômicos tanto de João Paulo 2º quanto de Francisco também refletem uma tradição intelectual, a Doutrina Social da Igreja – conjunto de orientações reunidas em 1891 em uma encíclica chamada de Rerum Novarum, na qual o papa Leão 13 discorria sobre o “espírito de mudança revolucionária” que então varria a Europa.

Muitos dos ensinamentos são uma clara refutação das ideias comunistas que eram parte dessa mudança, mas também uma crítica de aspectos do capitalismo. Sendo assim, trata-se de uma mistura pouco convencional que não se adequa ao maniqueísmo esquerda-direita que dominaria a política do século seguinte.

Maurice Glasman, economista britânico mais alinhado à esquerda, estudou a Doutrina Social da Igreja em seu PhD. Ele foi atraído pela maneira como a corrente teológica rejeita as ideologias convencionais tanto da direita quanto da esquerda.

“Ela (Doutrina Social da Igreja) realmente se opõe à ideia de que há um Estado ou o mercado”, diz ele. “A corrente teológica acredita em incentivar a sociedade ─ o que chama de solidariedade ─ para que possa resistir à dominação dos pobres pelos ricos, mas por meio de sindicatos e associações vocacionais e o que é chamado de subsidiariedade, que é a descentralização do poder”.

Glasman diz que a Doutrina Social da Igreja se opõe ao comunismo porque “mantém o direito à propriedade privada” e é “anticoletivista”.

Ele tem ainda vivo na memória um episódio em que foi criticado por um economista americano depois de apresentar um trabalho em uma recente conferência no Vaticano sobre a corrente teológica.

“Uma palavra (define) o que você está falando”, teria dito o americano a Glasman. “Isso se chama comunismo. Você está tentando interferir nas prerrogativas de administração, você está tentando interferir com o capital, você está tentando interferir nos preços. E isso vem sendo tentado há muito – pela União Soviética”.

Durante a discussão que se seguiu às acusações, Glasman ficou maravilhado ao ser apoiado tanto pelo papa quanto pelo arcebispo de Munique, coincidentemente chamado Cardeal Marx.

A interpretação de Francisco da Doutrina Social Católica certamente soa mais radical do que a de seus antecessores. Na Argentina, ele reforçou que os padres devem ver o mundo através dos olhos dos pobres, ao morar entre eles, e trouxe essa abordagem com ele quando chegou a Roma.

Evangelii Gaudium – o documento que enfureceu Rush Limbaugh – argumenta que a desigualdade cria “um estado de pecado social que clama ao céu”. O papa Francisco também já disse que o desemprego é o “resultado de uma escolha mundial, de um sistema econômico que levou a uma tragédia, um sistema econômico que tem a seu centro um Deus falso, um Deus falso chamado dinheiro”.

Philip Booth, economista católico que trabalha no Institute for Economic Affairs, em Londres, descreve Francisco como um “corporativista” que acredita no Estado provedor e opina que as declarações do papa são “perigosas” porque elas podem “nos levar à política ruim”.

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Fonte: BBC

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