9 de abril de 2016

11.3 - Os três maiores perigos para a nova vida Mt 6 6.19 e 7.5

A CARTA MAGNA DO REINO DOS CÉUS
O SERMÃO DO MONTE


Mateus 6

Os três maiores perigos para a nova vida, 6.19–7.5

O mâmon (riquezas)

19 Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam;
20 mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam, nem roubam;
21 porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração.
22 São os olhos a lâmpada do corpo. Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo será luminoso;
23 se, porém, os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em trevas. Portanto, caso a luz que em ti há sejam trevas, que grandes trevas serão!
24 Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro, ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas.
O Senhor dirige-se aos ricos e aos pobres. A riqueza tem a característica da crescente ganância. Quanto mais se tem, mais se quer. A pobreza tem a característica do crescente desânimo, preocupação, pouca fé, depressão!
Jesus adverte: É insensato acumular propriedades e bens terrenos, pois as traças e a ferrugem destroem os tecidos preciosos, e ladrões podem roubar as preciosidades acumuladas (O termo grego para ferrugem é brosis, que também pode ser traduzido por “caruncho” ou “carcoma de traça”. Talvez se tenha em mente baús de madeira, em que se guardam luxuosos vestidos e todo tipo de jóias. Esses baús o caruncho pode perfurar roendo a madeira, e a traça pode destruir o tecido).
Em contrapartida, é necessário ajuntar tesouros no céu, ao administrarmos nossos bens e nossa receita nesta terra devemos posicionar-nos na mais santa responsabilidade perante Deus. Pois do ponto de vista da eternidade faríamos algo melhor e mais sensato com o mâmon do que segurá-lo ou usá-lo para nossa segurança, para a ganância, para “querer ter sempre mais”!
Naturalmente Jesus, com essas palavras de amontoar tesouros, de ter bens e propriedades, não quis afirmar nada contra a propriedade como tal. Também José e Maria tinham sua casa e sua oficina e os materiais que um carpinteiro precisa para ser um bom administrador e artesão competente. Mas sua propriedade lhes servia apenas como meio de sustentarem sua existência na terra. Eles não serviam à sua propriedade.
Jesus não considera a maldição do dinheiro como residindo na quantidade da riqueza acumulada. Alguém pode possuir muito e mesmo assim estar livre para servir a Deus e à causa dele a qualquer hora e com generosidade. Por outro lado, alguém pode possuir pouco e, não obstante, estar preso ao mâmon. Porque a verdadeira maldição do dinheiro está no perigo d e que o coração seja escravizado pela cobiça do dinheiro, de modo que a alma da pessoa seja sufocada pela poeira do dinheiro e do mundo.
O poder de fascínio dos bens é tamanho que o ser humano erra o verdadeiro alvo de sua vida. É isso que o Senhor vai esclarecer agora com a parábola do olho saudável e do olho doente!
No olho da pessoa revela-se como ela se relaciona com a sua riqueza. No olhar se evidencia se ela dá com disposição ou se é avarenta. O olho pode, portanto, revelar a bênção ou a desgraça que a generosidade ou, respectivamente, a ganância trazem ao ser humano.
Há ainda outro modo pelo qual a comparação do olho pode ilustrar algo. O olho é “simples” (assim também pode ser traduzido o termo “bom”, “saudável”), nosso olho é constituído de tal maneira que pode captar e visualizar um só objeto de cada vez. O olho não é capaz de enxergar plenamente e gravar duas coisas ao mesmo tempo. O motorista do carro não consegue simultaneamente visualizar a estrada à sua frente e a bela paisagem ao seu redor. Se, apesar disso, olhar para os lados, sua condução torna-se insegura. Pois o olhar está dividido, divergente, não é simples na acepção de poder ver “somente um objeto”, “somente numa direção”: ou para a frente ou para o lado. – Portanto, Jesus quer dizer: Quando o olho for simples, i. é, quando olhar somente numa direção com clareza e atenção, então o corpo todo também será dirigido correta e seguramente pelo olho. Isso significa que a caminhada de fé torna-se luminosa e límpida. Quando, porém, o olho for mau, direcionado simultaneamente para dois objetos, ou dividido, também o corpo inteiro será levado para a insegurança, para o escuro. A caminhada de fé será conturbada e sombria.
Por conseguinte, não é apenas o coração que não pode servir ao mesmo tempo a dois senhores divergentes, mas também o olho. A perspectiva do olhar interior pode estar dirigida unicamente para o que é terreno ou para o que é eterno. Com a evidência de sua vida simples e modesta, Jesus nos revela a loucura de toda acumulação de riquezas. Como se quisesse dizer: “Se vocês realmente reconhecem Deus como realidade, então não há mais lugar para nenhum competidor, quer seja o mâmon ou – chegando ao segundo aspecto – a ansiedade”.

A preocupação

25-34 Por isso, vos digo: Não andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer ou beber; nem pelo vosso corpo, quanto ao que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo, mais do que as vestes? Observai as aves do céu: Não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros; contudo, vosso Pai celeste as sustenta. Porventura, não valeis vós muito mais do que as aves? Qual de vós, por ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado ao curso da sua vida? E por que andais ansiosos quanto ao vestuário? Considerai como crescem os lírios do campo: Eles não trabalham, nem fiam. Eu, contudo, vos afirmo que nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles. Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós outros, homens de pequena fé? Portanto, não vos inquieteis, dizendo: Que comeremos? Que beberemos? Ou: Com que nos vestiremos? Porque os gentios é que procuram todas estas coisas; pois vosso Pai celeste sabe que necessitais de todas elas. Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino (dos céus) e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.
Portanto, não vos inquieteis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus cuidados. Basta ao dia o seu próprio mal.
Essa é a palavra para os pobres. O que o Senhor quer dizer com “preocupar-se”? Será que não se preocupem significa “não trabalhem”, “fiquem de braços cruzados”? Não, porque sempre de novo a Bíblia fala do trabalho e da bênção do trabalho: “Quem não quiser trabalhar também não coma” (2Ts 3.10), e: “Preguiçoso, aprenda uma lição com as formigas” (Pv 6.6). Fundamentalmente, pois, preocupar-se e trabalhar são coisas diferentes.
Com a palavra “preocupar-se” o Senhor refere-se, não ao “prover”, mas ao angustiar-se medroso, cismado e atormentado. A essas preocupações falsas, angustiantes, insistentes, arrasadoras de coração e nervos, o Senhor contrapõe três argumentos:
• Ele aponta para a revelação de Deus em nossa própria vida;
A indicação para nós mesmos: Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo, mais do que as vestes? Ambos, a vida e o corpo, nós os recebemos sem contribuirmos para isso. Deus os deu a nós.
Deus os conserva em sua mão. Aquele que dá o maior, o corpo e a vida, não seria capaz de cuidar também do menor?
Perante Deus nenhuma angústia é tão grande que ele não a pudesse resolver, e nenhuma necessidade tão pequena que ele não a pudesse ver. Diante de Deus (falando em figuras), a maior montanha da terra e a maior profundeza da terra são iguais a um pequeno cupinzeiro. Deus situa-se acima de todas as medidas de espaço e de tempo deste mundo. Diante dele não existem coisas grandes e coisas pequenas. Nenhum pardal cai do telhado sem a sua vontade. Ele cuida com máxima atenção de cada instante de nossa vida. O Pai dos céus, que governa o mundo das estrelas e os sistemas solares do universo, tem sob seu controle também o mínimo acontecimento que se aproxima de mim na próxima hora. Nada (esse “nada” tem sentido total) pode acontecer comigo, a não ser o que ele previu e o que será benéfico para mim (cf. Is 40.26-31). É blasfêmia contra Deus se nos preocupamos e nos angustiamos temerosamente. É paganismo (cf. v. 32). É “inútil”, porque com todas as preocupações não se muda nem melhora nada (v. 27). Pelo contrário: através da tristeza somente aumentamos nossa cruz e sofrimento.
• Ele aponta para a revelação de Deus na criação;
A indicação para a criação é a seguinte: Observai as aves do céu: Não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros; contudo, vosso Pai celeste as sustenta. […] Considerai como crescem os lírios do campo: Eles não trabalham, nem fiam (não realizam “nem trabalho masculino nem feminino”). Eu, contudo, vos afirmo que nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles.
Está aí a palavra: “Não se afadigam, i. é, não trabalham, não semeiam…” Não deveríamos deduzir daí: Não trabalhamos, não semeamos, cruzamos os braços e deixamos que o Pai do céu nos alimente? Assim como os pássaros não semeiam, assim também nós não temos necessidade de semear e colher?
Que tolice! Olhemos bem claramente para a figura dos pássaros. O passarinho não consegue semear, mas não obstante precisa fazer uso dos dons que Deus depositou nele para providenciar seu alimento. Não pode ficar sentado preguiçosamente no ninho, até que Deus lhe jogue a comida no bico. O sustento não chega voando. É ele que precisa voar até o alimento e procurar dedicadamente aquilo de que necessita.
E os lírios, eles não podem voar como os pássaros nem trabalhar para procurar comida, mas apesar disso precisam sugar as gotas de chuva e orvalho que caem sobre suas pétalas e abrir-se aos raios do sol. Se não o fizessem, morreriam.
Pássaros e lírios, portanto, não precisam se inquietar para além do que estabelece sua natureza de pássaros e lírios. Mesmo que não semeiem, não colham nem se afadiguem, Deus lhes dá o de que precisam. Deve, agora, o filho de Deus ansiar-se em vista de sua natureza de filho de Deus? Não, mas deve trabalhar, isso sim. Verdadeiros filhos e filhas de Deus são por isso sempre as pessoas mais dispostas e diligentes no trabalho.
Contudo, se, apesar de todo o esforço, falta o mais necessário? O que fazem os pássaros na tempestade? Abrigam-se o melhor que podem e aguardam. É o que faz também o filho de Deus! Quando a tempestade ruge, ele se abriga na proteção de Jesus – e espera. Bonhoeffer disse: “Creio que, em cada necessidade, Deus nos quer dar tanta força de resistir como precisamos. Mas ele não a dá antecipadamente, para que não nos fiemos em nós próprios, mas unicamente nele. Nessa fé deveria estar superando todo o medo do futuro.”
• Ele aponta para a revelação de Deus no seu reino.
Chegamos à terceira revelação. O Senhor diz: Ora, se Deus veste assim a erva do campo (da qual fazem parte os lírios), que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais o fará a vós? Com essas palavras o Senhor pára bem diante de nós, olha fundo nos olhos de cada um e, por meio dessa terceira indicação, nos eleva a uma altura que deixa bem atrás tudo o que é terreno e todas as preocupações: Vocês foram comprados por preço alto e são destinados ao céu, não ao forno. Vocês são destinados à eternidade. Não destinados ao suicídio, como diziam os estóicos quando as cargas da vida haviam se tornado muito pesadas.
Existe apenas uma única preocupação justificada, que é a preocupação pelo céu. Dela o Senhor fala no final.
Ela é: Buscai, em primeiro lugar, o reino (dos céus) e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas. “Reinado dos céus” é o domínio de Deus, é a presença de Deus. Esse reino já quer agora, invisivelmente, obter espaço. Tudo o que existe é apenas um pequeno início, um indício sugestivo para o grande e visível estado de consumação, quando Deus será tudo em todos, quando o reino perfeito de Deus abrangerá a terra numa grandeza visível. Para esse reino futuro deve estar direcionada toda a busca.
Buscar significa deixar-se preencher já agora com toda a riqueza desse maravilhoso reino futuro de Deus.

O hábito de julgar

1,2 Não julgueis, para que não sejais julgados. Pois, com o critério com que julgardes, sereis julgados; e, com a medida com que tiverdes medido, vos medirão também.
A afirmação de Jesus: “Não julguem”, não significa ser cego para as injustiças praticadas pelas pessoas. Não julgar tampouco significa abster-se de formar qualquer juízo sobre a conduta do ser humano. Não, é tarefa de cada seguidor de Cristo, bem como dever incessante da comunidade de Jesus, “examinar, vigiar e precaver-se” de tudo o que não é correto perante Deus. Nisso se fundamenta também a chamada “função pública do evangelho”. João Batista agiu certo ao denunciar: “Não é correto, Herodes Antipas, que cometas adultério” (cf. Mt 14.4). O próprio Jesus, tantas e tantas vezes, julgou severamente os hipócritas. Também pregar com seriedade a meia volta, a conversão, e condenar durissimamente o pecado, não é “julgar”.
A que se refere o Senhor com o “julgar” que é condenável? Ele se refere à atitude condenável de julgar sem amor, a qual ocorre com especial facilidade pelas costas do próximo. E qual é em geral o motivo do julgamento frio e da condenação pelas costas? É a nossa satisfação malévola secreta com a desgraça do próximo. O próprio “eu” quer destacar-se com tanto maior brilho diante do fundo escuro da pretensa injustiça do outro! Gostamos de rebaixar o outro para que nós mesmos pareçamos grandes. Superestimar a nossa própria experiência e descoberta de fé constitui sempre de novo o ponto de partida de um julgamento sem amor sobre o próximo! Pensamos que o outro somente terá a “atitude de fé correta” quando puder evidenciar exatamente os mesmos sinais de conversão, novo nascimento, exatamente as mesmas experiências de fé como as nossas etc. Disso resulta a atitude de julgá-lo e o fanatismo para convertê-lo. – Nesse ponto é preciso ficar alerta e prevenir-se justamente quando recém se começou a nova vida de fé. Num instante pode acontecer que nós nos apoderamos de um certo papel de supervisor sobre aquele que “ainda não anda pela fé”. Desapercebidamente nos promovemos à função de inspetor, fiscalizamos os movimentos do outro, controlamos sua fala, e anotamos, e julgamos, e condenamos. Essa atitude de fiscalizar ao redor é o julgar sem amor que Jesus repudia. Esse julgar delata o farisaísmo secreto, que é o pecado mortal dos crentes.
O seguidor de Cristo tem a tarefa de colocar, no lugar da atitude de julgar, o serviço de ajuda ao próximo. Decisivo é ser samaritano – não controlador nem juiz criminal. Quem pode retirar a farpa debaixo da unha ou o corpo estranho do olho é somente a mão samaritana do irmão, não a prédica de moral ou a sentença de um juiz sem amor.
A palavra de arrependimento que ajuda com amor somente poderá ser dita ao outro de modo salutar quando for precedida da sincera consciência da própria culpabilidade e imperfeição.
Os v. 3-5 nos informam algo sobre o fato de que muitas vezes somos bastante deficientes nessa consciência da nossa própria injustiça e culpa.
3-5 Por que vês tu o argueiro no olho de teu irmão, porém não reparas na trave que está no teu próprio? Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, quando tens a trave no teu? Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho e, então, verás claramente para tirar o argueiro do olho de teu irmão.
Costumamos ver nossa própria injustiça com lente de redução, enquanto a do outro com lente de aumento. Gostamos de falsificar a nosso favor a avaliação de nós mesmos. A avaliação do outro falsificamos frequentemente em sua desvantagem. É condenável ver o mal do outro sempre agudo e grande, combatendo-o, e não ser primeiro irredutivelmente duro e severo com a própria pecaminosidade.
Quando Jesus chama a culpa de trave ou estilhaço no olho, ele quer dizer que ela é um corpo estranho que penetrou até os órgãos mais sensíveis do ser humano. Quem não sabe distinguir entre o órgão propriamente dito, o pecador, e o corpo estranho dentro do órgão, o pecado, não é capacitado para ser terapeuta ou cura de almas.
Em todos aqueles publicanos e pecadores, Jesus sempre distinguiu maravilhosamente entre a criatura de Deus e o corpo estranho, o pecado. Por isso todas as suas curas são uma “separação entre o essencial e o estranho”!
Aquele que pensa que precisa lançar rapidamente ao outro a palavra de arrependimento também corre o perigo de querer converter o outro à força. Jesus proíbe qualquer imposição e constrangimento.
O outro muitas vezes é cercado por muros inescaláveis, que não podem ser rompidos por nenhum fervor missionário. Toda ação autocrática, por mais bem intencionada que seja, será, então, profanação do sagrado. No judaísmo piedoso daquela época ambos os impulsos estavam unificados, violentando as pessoas: o espírito de julgar e o fervor para converter. Para ilustrá-lo Jesus recorre a uma parábola.
Fonte: Mateus - Comentário Esperança

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