O campo da morte, na periferia da cidade, é marcado por crânios e ossos que cobrem o chão, atraindo abutres e hienas.
Há poucas roupas, pois os soldados despiram os homens e meninos que capturaram. Veem-se espinhas cortadas pela metade e clavículas despedaçadas, o que sugere que as vítimas foram espancadas até a morte ou destroçadas com machados. Alguns dos crânios podem até ser dos cinco membros da Médicos Sem Fronteiras que foram assassinados aqui.
Atrocidades acontecem no mundo inteiro, é claro. Mas estas foram crimes contra a humanidade, cometidos pelo "nosso lado" --pelo governo do Sudão do Sul que os EUA ajudaram a instalar.
É impossível calcular o número de mortos, mas parece plausível que tenham morrido tantos civis nesta guerra no Sudão do Sul quanto na Síria. Uma das dificuldades para se fazer uma estimativa é que muitas mortes de civis não foram causadas por balas ou bombas de fragmentos, e sim por fome e doenças, que são uma consequência direta da guerra e da limpeza étnica.
Este é o país mais novo do mundo, que nasceu com a ajuda dos EUA em 2011, depois de uma brutal guerra de secessão do Sudão. Mas hoje os aplausos diminuíram, os EUA seguiram seu caminho e o Sudão do Sul afundou no atoleiro da guerra civil.
Os combatentes geralmente não se confrontam, pois seria perigoso. Então eles matam, estupram, roubam e torturam aldeões desarmados. Enquanto isso, um apelo internacional por ajuda humanitária ao Sudão do Sul só conseguiu 3% do valor necessário.
Tenho viajado por algumas das áreas mais afetadas pelas lutas, tanto controladas pelo governo como por rebeldes, e elas estão em ruínas que me lembram Darfur. Aldeias foram queimadas, hospitais saqueados, escolas fechadas, meninos castrados e mulheres raptadas e estupradas.
É mais fácil encontrar mulheres e meninas que foram violentadas por bandos do que alfabetizadas; em uma aldeia, uma parteira tradicional me disse que recentemente ajudou em dez partos de mulheres estupradas por soldados.
As estradas são perigosas e muitas vezes intransitáveis, e não há serviços reais prestados pelo governo --exceto execuções.
A cidade de Leer, que é um importante mercado, foi atacada por tropas do governo em maio e novamente saqueada por forças apoiadas pelo governo em outubro. As tropas pilharam um hospital operado pela Médicos Sem Fronteiras e as instalações do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, transformando parte de Leer em uma cidade fantasma; à noite, ouvem-se tiros e o "riso" das hienas.
Encontrei um menino de 14 anos, Gatluak Top, que tentava reunir coragem depois que perdeu parte da perna esquerda em uma explosão. Ele provavelmente perderá a perna, e talvez a vida.
O mais terrível são a escala do sofrimento --mais de 2 milhões de sudaneses do sul foram deslocados e cerca de 3 milhões não têm comida-- e o fato de que grande parte da catástrofe foi causada por um governo que nós ajudamos a criar. Não é que o governo seja pior que os rebeldes (que originalmente eram uma facção do governo), mas acho especialmente ofensivo ver as atrocidades cometidas pelos que nós apoiamos.
Conheço o presidente Salva Kiir há anos e torci pelo seu sucesso. Mas ele e outros membros de seu governo (alguns piores que ele), com a ajuda dos rebeldes, correm o risco de destruir seu país.
Kiir também está atacando os grupos de ajuda, em um momento em que os trabalhadores humanitários (na maioria sudaneses do sul) são os únicos heróis aqui, que lutam para continuar apesar de 50 deles terem sido mortos desde o início da última guerra civil, há pouco mais de dois anos.
Membros do Exército de Liberação do Povo do Sudão caminham pelas ruas de Malakal, no Sudão do Sul
Kiir também ameaçou publicamente de assassinato os repórteres, e sete jornalistas foram mortos no Sudão do Sul no último ano.
Um acordo de paz fechado em agosto é a última esperança, mas não foi totalmente implementado. "Nos seis meses desde a assinatura do acordo de paz, manteve-se uma estratégia de terra arrasada, na qual civis foram queimados vivos em suas casas, seu gado foi roubado e seus meios de vida, destruídos", disse este mês ao Conselho de Segurança da ONU Ivan Simonovic, uma autoridade de direitos humanos da organização.
Está na hora de um embargo internacional de armas ao Sudão do Sul, e de sanções que visem os bens dos principais líderes de ambos os lados, enquanto se dá maior apoio às organizações humanitárias e às iniciativas de proteção aos civis. O Sudão do Sul está ficando sem dinheiro, e isso também deve ser usado como arma para que se implemente o acordo de paz.
Autoridades graduadas dos EUA estão frustradas e cansadas com o Sudão do Sul. Mas se um país que os EUA apoiaram com tamanha força cair no genocídio porque não fizemos tudo o que poderíamos ter feito será uma parte do legado de Obama.
Parabéns ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, por visitar o país há alguns dias, porque precisamos de um estímulo internacional para que o acordo de paz seja respeitado e traga consequências reais para os que cometem atrocidades.
O tempo está se esgotando no Sudão do Sul.
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Fonte: The New York Times.
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